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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

A Convidada Escolhe: Caderno Proibido

Caderno Proibido, Alba de Céspedes, 1952

De tantas tão boas leituras que fiz em 2024, tenho muita dificuldade em dizer qual ou quais foram as minhas preferidas, mas “Caderno Proibido”, o último livro que li no passado ano, é certamente dos melhores. Uma verdadeira revelação, um livro com a minha idade, mas que é duma actualidade incrível e no qual me revi, e certamente muitas mulheres que tiverem oportunidade de o ler.

O caderno proibido é uma revolução na vida de Valeria. Mulher italiana de 43 anos, casada há 22, mãe de uma rapariga e um rapaz, empregada num escritório, um dia começa a escrever num caderno de capa preta reflexões sobre si e a sua vida. A escrita no caderno – um diário – vai, pela primeira vez, obrigá-la a questionar tudo: a família, o casamento e, sobretudo, ela própria.

Valeria é uma mulher tradicional, preconceituosa, educada para se apagar nos cuidados com o marido e os filhos, a viver em função dos outros, a gerir um orçamento limitado que a leva a comprar para si só o indispensável, com uma vida social muito limitada, apenas mantém contacto com uma amiga de infância. Invisível, o seu trabalho não é valorizado. Até àquele domingo ameno em que sai para comprar um maço de tabaco para o marido e acaba por ser atraída pela capa preta de um caderno na montra da tabacaria e o compra.

A escrita do diário vai-se prolongar ao longo de seis meses e logo no primeiro dia em que trouxe aquele caderno para casa, nunca mais teve um momento de paz. O romance começa com estas palavras: “Fiz mal em comprar este caderno, mesmo muito mal. Mas agora já é tarde de mais para me lamentar; o mal está feito.” (pág. 7). A viver em função dos outros, descobre que nem consegue encontrar em casa um lugar onde escreva sem a presença da família, nem sequer tem um sítio seguro para esconder o diário “Afinal, não tinha, em toda a casa, uma gaveta, um cantinho que fosse meu” (pág. 8) / “… sonho que gostaria de ter um quarto só para mim.” (pág. 55) / “Repito que precisávamos de mudar de casa porque esta já é muito pequena, mas sinceramente é porque queria ter um quarto para mim.” (pág. 109). E pela primeira vez, deseja estar só, “Agora desejo que saiam para ficar sozinha a escrever” (pág. 9).

Como quando se toma uma decisão difícil, se escolhe um caminho que implique uma mudança corajosa, a pessoa questiona-se, tem dúvidas… Assim é com Valeria que põe em causa o seu direito de escrever o diário; que tem sentimentos de culpa, remorsos por roubar tempo para si sempre que escreve no diário; que se rebela contra o diário e tem vontade de o rasgar. Mas que tem ânsias de verter para o papel as suas inquietações e aquilo que nunca confessou a ninguém nem a si mesma: que se sente escrava da família e da casa; que não sabe o que é o descanso; que nunca teve tempo para ler um livro; que encara a família como um lugar de opressão; que o casamento e o nascimento dos filhos foram os únicos pontos altos da sua vida e que tudo o resto foi insignificante; que embora ache que na sua idade já é tudo tarde de mais, descubra que ainda é possível amar fora do casamento; que para sobreviver precisa de mentir; que um matrimónio exemplar é feito de um contínuo fingimento.

Não se espere deste romance respostas fáceis, nem um final feliz. Sendo uma narrativa que decorre no início dos anos 50, no pós-guerra e sempre com o receio de uma possível guerra futura, considero que não é um romance datado, antes aborda temas e inquietações intemporais: o envelhecimento, a sexualidade, os preconceitos sociais, a família, os conflitos geracionais, a ânsia de liberdade e de felicidade. Valeria, que sempre se habituara ao silêncio e que tinha pudor em confessar ao marido os seus sentimentos, ousa um dia perguntar-lhe se era feliz. Pergunta tão simples, de resposta tão difícil! “– Que pergunta! Pois naturalmente, porque não havia de ser? Os pequenos são bons, são saudáveis… Ricardo há-de fazer uma bela carreira na Argentina. Mirela já trabalha, depois casará. Que mais poderemos desejar, mamã?” (pág. 77).

O caderno proibido abriu a Valeria um caminho de liberdade e de questionamento de que é impossível livrar-se, apesar das amarras que a prendem. Termino com uma das últimas frases deste belo livro, inesquecível: “Todas as mulheres escondem um caderno negro, proibido. E todas têm de o destruir. (pág. 208)


30 de Dezembro de 2024

Almerinda Bento





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