Narrado na terceira pessoa, a história conta partes da vida de Calita e saltita entre a sua infância e a idade adulta, o tempo presente. Regressa de Espanha onde era dançarino e DJ, porque a vida ensinou-o a ser inconstante, a meter-se em sarilhos e a reproduzir o padrão comportamental em que foi criado.
O seu plano? Juntar dinheiro e comprar uma mesa de mistura para trabalhar de novo como DJ, que adora. Mas os seus planos saem constantemente gorados e a sua vida parece andar cada vez mais para trás.
“E o que dizer de si mesmo e do seu comportamento flutuante que desorientava os outros e até a ele confundia, que provocava o arrependimento imediato a quem se atravessara em sua defesa? Na verdade, só mais tarde compreendia que as oscilações e mudanças não se deviam à existência de um plano ou de uma conspiração para se aproveitar da boa vontade dos outros, mas eram um peso que ele carregava e do qual tinha 'consciência limpa' – que era a maneira de ele dizer noção clara – quando pensava 'arranjo sempre maneira de foder a minha vida'? Era assim que as pessoas eram, duplas, dia e noite num só.”
Gostei bastante do ambiente de bairro aqui descrito que muito traduz da nossa realidade. Aborda a temática da questão racial e da pobreza, das oportunidades perdidas, a solidão, a marginalidade, a procura de um lugar e os infortúnios que vão aparecendo constantemente. Alguns personagens que giram em trono de Calita mereciam um desenvolvimento maior.
Escrita rica, acessível, centrada no personagem principal e no seu desenraizamento. Na sua tentativa vã de conseguir o lugar pretendido. Criado sem amor, Calita reproduz o que não teve. Não sabe amar a filha, abandonando-a, como os pais fizeram com ele. Pensaria que ficaria melhor sem ele?
Terminado em 10 de Janeiro de 2025
Estrelas: 4*
Sinopse
Esta é a história prodigiosa e trágica de Calita, um rapaz negro que tem um plano para a vida. Um retrato do que não vem na literatura bem-comportada -e que nos deixa sem respiração.
Depois de anos em Espanha, onde ganhava a vida como dançarino e DJ, entre outras atividades, Carlos, aliás Calita, regressa a Portugal mas não a tempo de se reencontrar com a tia Lena, a senhora que o criou. Não tem família, não tem amigos, não tem casa. Apenas o sonho vago de juntar dinheiro para comprar uma mesa de mistura e voltar a trabalhar como DJ. É acolhido por uma antiga vizinha que o ajuda a recomeçar e o põe em contacto com um pastor brasileiro e o fiel ajudante deste, Pula-Pula.
Aos poucos, Calita - que também tem outro nomes ao longo do romance - reconstrói a vida a trabalhar na cozinha de um hotel em Lisboa e na companhia do cão, Trovão. E quando parece estar próximo de concretizar os seus sonhos e cumprir o plano que traçou, a tragédia, as recordações e uma enorme quantidade de incidentes vêm bater-lhe à porta e devolvê-lo à estaca zero.
Toda a Gente Tem um Plano é a história trágica deste rapaz negro que cresceu sem os pais e que tem o dom indesejado de estragar todas as possibilidades de felicidade. Da infância em casa da tia Lena e do filho desta, Pedro Mulato, por onde circulavam figuras como o professor Pretérito Perfeito, a macumbeira Rosa Quivunge e o enigmático D. Pacas, sem esquecer a suposta namorada, Eneida, até à vida adulta e selvagem nas noites de Benidorm, passando pela adolescência nas ruas e a fuga do reformatório, foram muitas as vezes em que Carlos tocou a felicidade com a ponta dos dedos apenas para aprender que toda a gente tem um plano até a vida ruir - e os estilhaços lhe acertarem em cheio no coração.
Cris
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