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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

“As Malditas” de Camila Sosa Villada

Já tinha este livro na estante desde 2022 e na altura peguei nele para uma leitura em conjunto e não me puxou. Larguei-o, mas tive sempre em atenção os muitos comentários elogiosos de pessoas que conheço e em quem confio em relação às opiniões que emitem.

Para outra leitura conjunta peguei nele este ano e gostei muito da conversa que se teve posteriormente para o grupo. Foi uma discussão muito interessante. É certo que tenho alguma dificuldade nas denominações que me são, algo estranhas, mas creio ter conseguido acompanhar as várias opiniões e concordei com muitas delas.

Este livro é muito impactante. Duro, põe a nu uma realidade que desconhecia quase por completo. Camila retrata um grupo de travestis (mulheres trans), muito mal vistos pela sociedade argentina. O narrador, a própria Camila, dá-se a conhecer passado bastantes páginas lidas. Eu, que pouco sabia desta história, fiquei surpreendida. É muito crua a forma como se descreve a si própria, a sua infância e a sua vivência atual. O lugar obscuro onde vive com as suas companheiras, a invisibilidade a que são sujeitas versus a hipervisibilidade que obtêm quando saem à rua, o frio, a solidão e os consumos que as levam para lugares ainda mais solitários. A vida e a luta diária para sobreviverem, a violência sexual que sofrem, as ameaças de morte, a pobreza extrema. Um realismo que o leitor absorve com sofreguidão e que o leva a lugares que a sua imaginação não alcançaria não fora as palavras duras, mas tão incrivelmente reais da autora.

De quando em vez algum realismo mágico pincela a trama espelhando a mitologia da América do Sul. O leitor, por momentos, duvida do enredo, mas há partes tão sofridas que não nos fazem desconfiar da veracidade desses momentos. 

Caminhando entre o passado de Camila e o seu presente, esta leitura prende e agarra-nos fortemente. Não há adjetivação suficiente que mostre a beleza e o horror que se sente com estas páginas!

Uma leitura prazerosa, muito bem escrita, mas ao mesmo tempo dolorosa, que recomento muito.

Terminado em 19 de Janeiro de 2025

Estrelas: 6*

Sinopse

Uma primeira obra literária impressionante, sem miserabilismo, sem pena de si, «As Malditas» encontra o fulgor de uma vida sem limites através de uma linguagem de memória, inventividade, ternura e sangue. Um retrato de grupo contado através de uma releitura da mitologia, um manifesto explosivo sobre a força a dor e vontade de sobreviver de um grupo de travestis que queriam ser rainhas: «O que a natureza não dá, o inferno empresta.»

Foi essa a origem deste livro, é essa a alquimia que percorre as suas páginas: a transformação da vergonha, do medo, da intolerância, do desprezo e da incompreensão em prosa de qualidade. Porque As Malditas é um relato de infância e um ritual de iniciação, um conto de fadas e de terror, um retrato de grupo, um manifesto político, uma recordação explosiva, uma visita guiada à imaginação fulgurante da sua autora e uma crónica única que vem polinizar a literatura. No seu ADN convergem as duas facetas do mundo trans que mais repelem e assustam a boa sociedade: a fúria travesti e a festa de ser travesti. E na sua voz literária convergem as três partes da santíssima trindade de Camila: a parte Marguerite Duras, a parte Wislawa Szymborska e a parte Carson McCullers. A apropriação de Lorca e de Jean Cocteau que Camila fez no palco volta a verificar-se nestas páginas com o que soube extorquir a Duras, a Wislawa e a Carson, sem perder em nenhum momento essa toada cordobesa essencial que mantém. Para dizer francamente, As Malditas é aquele tipo de livro que queremos que o mundo inteiro leia, assim que o terminamos. (Juan Forn)
 
Cris

1 comentário: