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sexta-feira, 3 de abril de 2015
A Escolha do Jorge: Comédia em Modo Menor
Chamavam-lhe Nico. Mas Nico não era o seu verdadeiro nome. Wim e Marie consideraram que assim seria mais fácil ao embarcarem na aventura em acolher um judeu perseguido pelo regime nazi. Vivia-se em plena guerra e Wim e Marie aliaram-se a tantos outros concidadãos holandeses e recolheram um judeu em sua casa por uma questão de patriotismo e humanidade, demonstrando, dessa forma, que a Holanda era um país em que verdadeiramente se sentia o conceito de liberdade religiosa antes da invasão nazi.
Wim e Marie tiveram de ajustar a sua vida e os seus hábitos à circunstância de passar a ter a tempo inteiro um visitante sem data marcada para a sua saída. Wim e Marie tinham igualmente consciência de que o mínimo passo em falso poderia ser fatal para todos.
Mas o que significa para Nico este porto de abrigo sem data marcada para o fim conflito que assola a Europa? Uma prisão dentro de uma prisão? Uma prisão silenciosa que a qualquer momento poderá acabar num campo de concentração e de extermínio, destino de tantos outros milhares de judeus?
Qual é a história de Nico? Quem foi a sua família? O que perdeu quando começou a guerra? Quem perdeu na guerra? Wim e Marie não saberão e nós também não.
Episódios caricatos e com alguma tensão com o medo sempre à espreita estão sempre presentes nesta "Comédia em Modo Menor" de Hans Keilson (1909-2011) culminando com a inesperada doença e morte de Nico e com a necessidade de Wim e Marie se libertarem do corpo sem darem nas vistas por olhos mais atentos.
É na tentativa de o casal se ver livre do corpo de Nico que percebem que deixaram várias pistas que os poderá incriminar, acabando, também eles, por se esconderem de tudo e de todos para que não sejam apanhados, vivendo, dessa forma, uma experiência muito semelhante à de Nico quando estava escondido em sua casa.
É com algum humor (por vezes negro) que Hans Keilson, escritor judeu alemão/holandês conseguiu retratar na novela "Comédia em Modo Menor" um pouco das experiências por que passaram muitos holandeses durante a 2ª Guerra Mundial.
Apesar de o escritor ter conseguido sobreviver durante a guerra graças à alteração do nome, não conseguiu que os seus pais não fossem deportados para Auschwitz onde acabaram por morrer, acontecimento que o marcou durante o resto da vida deixando-lhe um forte sentimento de culpa.
Excertos:
"Nico então apressava-se a pensar noutra coisa, nos tormentos, no horror a que sem dúvida não teria podido fugir mas a que escapara para vir cair noutra forma de tortura. Murmurava para si mesmo: - Em todo o lado nos esperam o tormento e o horror. Em todo o lado." (p. 15)
"- (…) Eu próprio assisti a vários partos. Quatro bebezinhos judeus. Rapazes fortes. Berram como berram todos os bebés quando vêm ao mundo. E esse é que é o perigo! Alguém pode ouvi-los! Os vizinhos! Em casais sem filhos, ao fim de doze, catorze anos de infertilidade, de repente nascem filhos. As crianças são mandadas, evidentemente, para outras famílias.
Wim e Marie trocaram um olhar e sorriram. Por mais que a situação fosse grave, e até um pouco triste, não puderam deixar de rir-se. Passava-se cada coisa! Mas ele tinha razão. Em todo o lado nascem crianças, nos abrigos antiaéreos, durante os bombardeamentos, e mais depressa do que o recomendável. Onde quer que a morte espreite, a vida segue em frente. E quanto à situação em que estavam, era melhor ter um morto na cama do que uma mulher com um recém-nascido aos berros. Também nisto ele tinha razão." (pp. 22-23)
"Um segredo! Não se tratava só de o terem escondido; ele próprio era o segredo, a sua pessoa, a sua vida. À sua volta havia toda uma terra de ninguém, desconhecida e impenetrável. Não havia ponte que abarcasse essa distância. Mesmo quando ainda era vivo, tudo quanto lhe ouvia dizer, tudo quanto via, a voz dele, os movimentos, eram como uma coisa vista da outra margem do rio por entre a bruma que sobe da água e distorce uma visão clara, e confundiam-se rapidamente com as espirais impessoais e sem cor do nevoeiro. Agora estava morto e tinham-no levado de casa, mas no seu lugar tinha ficado um segredo, um último vestígio." (pp. 83-84)
Texto da autoria de Jorge Navarro
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