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quinta-feira, 9 de abril de 2015

A Escolha do Jorge: Auschwitz Um Dia de Cada Vez

"Auschwitz Um Dia de Cada Vez" é o mais recente trabalho de Esther Mucznik cuja edição surge na sequência da comemoração dos 70 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz. O presente livro é a obra que sucede a "Portugueses no Holocausto" (2012), colocando a escritora entre um dos nomes mais significativos no que respeita ao estudo do Holocausto no nosso país.
"Auschwitz Um Dia de Cada Vez" é uma obra que incide essencialmente na temática dos campos de concentração criados durante o regime nazi antes e durante a 2ª Guerra Mundial com maior enfoque em Auschwitz (próximo de Cracóvia, Polónia) que assumiu não só o registo de campo de concentração, mas também de extermínio, tornando-se inevitavelmente naquilo que é frequentemente designado por símbolo do Holocausto.
Com o objetivo de levar a cabo a "solução final para a questão judaica", Hitler e os seus esbirros transformaram o III Reich na maior máquina de morte conhecida na História que levou ao extermínio de mais de seis milhões de judeus durante a 2ª Guerra Mundial.
Neste sentido, "Auschwitz Um Dia de Cada Vez" faz-nos novamente sentar na carteira da escola e recordar inúmeros aspetos daquele que foi o período mais negro do século XX, além de nos acrescentar novos testemunhos, vítimas dos nazis durante a guerra.
São muitas as descrições de puro terror descritas ao longo das 300 páginas do livro, reflexo de um sadismo e loucura deliberados perpetrados pelos nazis aos judeus e outras minorias. As experiências médicas, as torturas, a fome, as fracas condições de higiene e as frequentes doenças e epidemias constituíram igualmente o triste cenário a que milhões de pessoas estiveram sujeitas face a desígnios superiores, incompreensíveis, tudo legitimado pela defesa da tão defendida «raça ariana».
Ao longo deste livro foram três as questões que frequentemente me assolavam o pensamento, a saber: 1. A incompreensão e inconformidade desta tragédia sem precedentes; 2. A incapacidade da justiça atuar face aos criminosos; 3. As lições que a Humanidade deverá tirar do Holocausto.
Em relação à primeira questão, dou voltas ao pensamento sempre que leio sobre esta temática e o resultado esbarra sempre na incompreensão face ao que aconteceu, levando inúmeras cidades europeias à destruição vitimando milhões de pessoas que perderam as suas casas, bens e familiares, muitos deles mortos em câmaras de gás nos campos de concentração. Por muito que leia e muitos documentários que veja sobre esta temática, restam duas palavras: incompreensão e inconformidade. Como foi possível um país como a Alemanha com uma cultura notável, de impacto e referência a nível mundial na área da música, da filosofia, entre outras, ter sido completamente iludida por um indivíduo como Adolfo Hitler ao ponto de apoiar e embarcar num sonho verdadeiramente terrífico?
A segunda questão prende-se com a incapacidade da justiça face ao julgamento e condenação de muitos criminosos de guerra que ficaram totalmente impunes face ao sucedido.
O querer esquecer depois da guerra contribuiu para que antigos SS e dirigentes nazis se integrassem na nova sociedade civil que emergia então das cinzas do após-guerra, normalizando, aos poucos, a vida e o estado da Alemanha no que respeita à sua reconstrução.
Assim, este esquecimento forçado contribuiu, neste sentido, para uma ineficácia da aplicação da justiça que levasse a cabo a ideia de "desnazificação" (na verdadeira aceção da palavra) que ainda hoje clama por milhões de vítimas inocentes. Afinal, é lícito questionarmos à boa maneira platónica «o que é a justiça?» quando temos conhecimento que mais de 85% de elementos que pertenceram às SS não foram sequer a julgamento. Exemplo paradigmático e revoltante é o caso concreto de Mengele, conhecido como «o carniceiro de Auschwitz» que se refugiou na América do Sul tendo acabado por morrer no Brasil, em 1979.
A terceira questão relaciona-se com as lições que a Humanidade deverá aprender com a experiência do Holocausto. Passaram precisamente 70 anos após o fim da 2ª Guerra Mundial e tantos conflitos assolaram o Mundo desde então, contribuindo para a morte de milhares e milhares de vítimas. Temos o caso específico da chacina que teve lugar nos Balcãs, no coração da Europa, durante os anos 90, cuja guerra na Bósnia conduziu ao genocídio de mais de 8000 mil bósnios em Srebrenica. Atualmente podemos referir por exemplo o caso específico da guerra civil que assola a Síria há mais de dois anos, além de outros conflitos circunscritos no Médio Oriente, em África e outras partes do globo.
Em todos estes conflitos poderíamos falar de "holocaustos" que acontecem diariamente vitimando milhares de pessoas que perdem o seu direito e lugar neste mundo e que, à semelhança do que aconteceu durante a 2ª Guerra Mundial, continuamos sem conseguir pôr cobro a estas situações.
Se por um lado é importante não esquecer o Holocausto, é imperativo (pelo menos deveria ser assim) que houvesse efetivamente o esforço em evitar que iniciem outros e novos conflitos, cujo fim é sempre o mesmo, a morte gratuita.
Dentro deste ponto sobre o papel da História e as lições que a Humanidade deverá tirar daquele capítulo negro e trágico, ocorreu-me também um aspeto que nunca foi (propositadamente) enunciado no decorrer da obra, sobretudo no epílogo subordinado ao tema «Não nos esqueçam!». Este exercício de a Humanidade retirar lições da História é feito sempre numa perspetiva de evitarmos potenciais conflitos, mas também numa perspetiva de termos o Mundo de um lado e os judeus do outro. Esta ideia de "nós e os outros" é em si mesma uma fonte geradora de conflitos atendendo ao conflito israelo-palestiniano que tem lugar há décadas cujo o início aconteceu pouco depois da criação do Estado de Israel, em 1948.
Creio que este assunto teria constituído um capítulo final, ideal, deste livro "Auschwitz Um Dia de Cada Vez" na medida em que se olharmos para o permanente conflito que opõe israelitas e palestinianos, encontramos aqui muitos pontos em comum com a chacina praticada durante a 2ª Guerra Mundial, sobretudo se atentarmos aos guetos a que as comunidades palestinianas se encontram submetidas (muito embora lhe atribuam outros nomes), não esquecendo a quase inexistência do estado Palestiniano quando observamos um mapa político em que esse país nada mais é do que um conjunto de "ilhas" no seio do Estado de Israel que gradualmente se impõe, ganhando terreno aos seus adversários.
Não querendo defender um povo em detrimento de outro, esta questão assolou diversas vezes o meu pensamento durante a leitura de "Auschwitz Um Dia de Cada Vez" na medida em que, no meu entender, também será lícito questionar quais foram as lições que os judeus aprenderam com a História do século XX quando atualmente a sua política de força assume características semelhantes às do carrasco nazi.
Em jeito de conclusão, gostaria de referir alguns dos nomes de intelectuais que teorizaram sobre o Holocausto e que Esther Mucznik alude ao longo deste seu novo livro cujos testemunhos são uma presença constante, nomeadamente, Shlomo Venezia, Jean Arémy, Simone Weil, Primo Levi, Elie Wiesel e Imre Kertész, entre outros.
Nesta lista imensa de nomes e de testemunhos, confesso ter estranhado não haver qualquer referência a Hannah Arendt ainda que de forma ténue haja pelo menos uma referência e de modo superficial à ideia de "banalidade do mal". No meu entender, numa obra de referência como este "Auschwitz Um Dia de Cada Vez", teria sido importante fazer a ponte com Hannah Arendt num dos capítulos finais na medida em que se trata da pensadora que teorizou a ideia de "banalidade do mal", tema relativamente ao qual se debruçou durante vários anos ao referir-se ao nazismo especificamente.
Termino o presente texto com um excerto que me parece refletir algumas das ideias trazidas a estas linhas e que de alguma forma nos ajuda a compreender e a reposicionarmo-nos no Mundo, assim como na relação com os outros:
"A História ensina, mas não tem alunos», escreveu Ingeborg Bachmann, o que significa que não aprendemos com ela. Apesar de omnipresente, a memória do Holocausto pouco nos tem ajudado a detectar nos outros conflitos os sinais da tragédia… Por quê? Porque não basta o «Nunca mais». Como afirmou Imre Kertész, (…), o problema de Auschwitz não é a sua memória, é a sua própria existência, e se quisermos reflectir e aprender os ensinamentos que nos pode trazer, não bastam as proclamações e um vago conhecimento, é necessário um conhecimento aprofundado do que aconteceu. A memória não é uma virtude, nem um dever, é uma faculdade. Mas é uma faculdade falível, sujeita a manipulações permanentes." (p. 299)

Texto da autoria de. Jorge Navarro

2 comentários:

  1. Parabéns pela excelente resenha. Ultimamente também tenho me questionado como os israelenses conseguem negar aos palestinos o direito de terem seu próprio Estado.

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  2. Obg pelo comentário. Sem prejuízo desta ideia em comum, gostei bastante do livro que assinala os 70 anos da libertação de Auschwitz. Recomendo esta leitura à semelhança do livro anterior da autora "Portugueses no Holocausto".
    Jorge Navarro

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