Também já li. A minha opinião aqui (Cris)
As opiniões positivas na Roda sucederam-se e não resisti a antecipar a leitura deste livro. O facto de ter ganho o Prémio Leya e de eu ter gostado muito do vencedor da edição do ano passado também influenciou.
Comecei por estranhar o papel tão decididamente afirmativo do narrador, mas a beleza das palavras e o seu encadeamento encantou-me, fez-me distanciar desse narrador e levou-me através das histórias dos habitantes daquele prédio em que vivi durante a leitura e para além dela.
As minhas memórias de um prédio junto à praia, regressado das férias da minha infância e adolescência, reviveram em mim, bem como aquela praia que adoro e as gentes que habitam o meu passado. Não recordo, contudo, problemáticas tão duras como as que se vivenciam em “Debaixo de Algum Céu”. Fruto da inocência da idade, fruto dos tempos, fruto da realidade, os habitantes do prédio das minhas férias eram pessoas mais “leves”. Cada um traz à leitura a sua vivência, o seu passado, a sua própria história.
“Debaixo de Algum Céu” apresenta-nos um conjunto de personagens, pessoas, com vidas complexas, deprimidas e deprimentes. Esse é, para mim, o óbice desta narrativa, a não existência em todo o livro, diga-se prédio, de uma personagem “de bem com a vida”. Os tempos são assim, dizem-me, mas fica-me a relutância.
Na semana em que decorre a história, entre o Natal e o Ano Novo, assistimos à total ausência da época vivida e do seu espírito. Excepção feita… salva-se o Menino, pelas mãos do Padre.
O fio condutor que encontro neste livro, que vejo como uma sequência de vários contos, será talvez esse mesmo traço depressivo e, de todas as personagens, encantou-me Marco Moço e a sua melancolia, que percepciono como o velho lobo de mar com quem um dia gostaria de me sentar em frente ao mar para longas conversas. Também a complexidade, os dilemas e humanidade do Padre Daniel o transformaram numa personagem que gostei de ver crescer na história. Para mim, os dois menos deprimidos por, afinal, saberem de onde vêm e para onde vão, de forma convicta.
Senti, no início, a necessidade de fazer o esboço do prédio e seus habitantes, “arrumados” nos seus espaços para os conseguir relacionar e localizar, mas à medida que “subi e desci aquelas escadas”, as histórias fluíram.
Pese embora o mote da narrativa, gostei da escrita de Nuno Camarneiro, palavras belas em frases que encantam.
“As palavras são difíceis mas são o que temos. O sofrimento é único para cada homem e para cada mulher, são infinitas as dores e poucas as palavras que lhes dão nome: desgosto, arrependimento, comiseração, tristeza, pesar, mágoa, pena, lástima, aflição, angústia, nojo, desolação, comoção, choque, amargor. Faltam termos e sobram horas más. Não falta descrever o que se pensa, porque não importa, o sofrimento corre abaixo da cabeça, no corpo que apanha, às voltas num mesmo lugar que é o centro de tudo, como se chama o centro exacto de nós?” (pág. 73)
“Há uma beleza própria do que não tem propósito e uma alegria que vem com ela. O toque simples de uma mão na face, um telefonema sem assunto, um passeio sem destino, um poema secreto, um assobio, uma pedra redonda guardada no bolso. Coisas que não servem senão para sorrir e sentir que a vida é ainda cheia de mistérios.” (pág. 78)
Fernanda Palmeira
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