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quinta-feira, 19 de julho de 2012

A convidada escolhe...Retrato a sépia

Tenho-o cá na prateleira. Ainda não o li. Um dos muitos que aguardam a sua vez... (Cris)

“Retrato a Sépia” é um romance histórico que se desenrola entre 1862 e 1910, um exercício de memória que vai iluminando e desvendando a vida da personagem principal –Aurora /Lai-Ming.

A acção decorre no Chile e em São Francisco (Califórnia) mais propriamente na Chinatown, mas algumas das personagens do romance atravessam o Atlântico e viajam também pela Europa.

Ao mesmo tempo que compõe as suas personagens, Isabel Allende convida-nos a reflectir sobre várias temáticas entre as quais uma que lhe é muito cara e que sempre aborda em todos os seus romances: a da condição feminina. Paulina del Valle e Eliza Sommers, respectivamente avó paterna e materna de Aurora, são duas das personagens que estilhaçam os estereótipos ditos “femininos”, cujas personalidades tão marcadas e distintas foram determinantes no desenvolvimento e carácter da personagem principal. Aurora, que desenvolve uma paixão muito pouco usual para as mulheres na época – a fotografia – descobriu nesta actividade a possibilidade de ver a realidade envolvente e descobrir o seu próprio passado. Como diz no final do livro “ No fim de contas a única coisa que temos na totalidade é a memória que fomos tecendo. Cada qual escolhe o tom para contar a sua própria história: teria gostado de optar pela clareza duradoura de uma impressão em platina, mas nada no meu destino possui essa qualidade luminosa. Vivo entre matizes difusos, esbatidos misteriosos, incertezas; o tom para contar a minha vida ajusta-se mais ao de um retrato a sépia…”

Inesquecíveis e poderosas, além das acima referidas, outras mulheres como Nívea, desde jovem apaixonada pela ideia do sufrágio feminino “Quando irão poder votar as mulheres e os pobres neste país?”; soror Maria Escapulário que violava sistematicamente as regras do colégio cujo objectivo era transformar as alunas em criaturas dóceis; Matilde Pineda a professora que em vez de responder às perguntas, indicava caminhos para se chegar à resposta.

Quero ainda aqui referir outras duas personagens masculinas que marcam este livro extraordinário. O avô materno de Aurora, o doce e generoso zhong-yi Tao Chi’en cujos conhecimentos e prática da medicina tradicional chinesa, aliados à medicina ocidental faziam dele uma figura respeitada muito para além da comunidade chinesa. A sua acção para além das curas do corpo alargava-se a resgatar as meninas traficadas para fins sexuais, questionando assim a conspiração de silêncio das autoridades americanas face a práticas e a uma cultura fundadas num total desprezo pelo valor da vida das meninas chinesas. E o
mordomo de fraque Williams, mais tarde Frederick Williams marido de Paulina sempre atento e profundo conhecedor da natureza humana, fiel colaborador da mulher no desenvolvimento da cultura dos vinhos e queijos franceses no clima chileno.

E depois de ler este livro quem se esquecerá da cama mitológica de Paulina del Valle vinda de Florença directamente para São Francisco; ou da cena em que Aurora com apenas 5 anos é deixada pela avó Eliza em casa da avó Paulina; ou a recuperação de Severo del Valle mutilado na guerra através do amor e dos jogos eróticos que Nívea lhe proporciona e que haviam sido aprendidos através da leitura dos romances pornográficos de uma tal Dama Anónima que vimos a saber não ser mais do que Lady Rose Sommers; ou do desespero de Aurora quando
descobre a origem da indiferença do marido; ou a cena que é a chave dos pesadelos de Aurora?

Já a meio da leitura deste livro, soube que ele faz parte de uma trilogia, sendo, digamos que a peça intermédia de um puzzle. “A Casa dos Espíritos”(1982) tem por palco a segunda metade do século XX e “Filha da Fortuna” decorre temporalmente imediatamente antes de “Retrato a
Sépia” na primeira metade do século XIX.

Mas, conforme palavras da própria Isabel Allende (1) ” “Retrato a Sépia” pode ser lido em separado, sem fazer parte de uma série. (…) “Retrato a Sépia” (2000) foi o último a ser escrito, assume o lugar intermediário entre os dois, de alguma maneira, fechando o círculo.”

Escusado será dizer que já estou a ler “Filha da Fortuna”…

(1) Artigo na secção Cartaz –Livros do “Expresso” de 5 de maio de 2001, intitulado “As minhas personagens têm vida própria”

Almerinda Bento

4 comentários:

  1. Gosto muito da Isabel Allende. Já li alguns livros e fico sempre com vontade de ler mais. Mas como gosto de ir variando os estilos e autores, não consigo ler dois livros seguidos da mesma pessoa, ainda me faltam alguns.
    O "Filha da Fortuna" foi um dos primeiros e apaixonou-me pela sua escrita, pelas descrições dos povos, que é recorrente nela e principalmente dualidades, emoções.

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  2. Não deixe de ler "Retrato a Sépia" se o tem à mão. É de facto belíssimo. Não se vai arrepender. É luminoso.
    Outro dela que me marcou profundamente e que já li há anos foi "Paula". Muito sentido porque acompanha a doença da filha Paula.

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  3. Já leu Inês da Minha Alma? É muito bom também. Recomendo. Abraços

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  4. Olá Glória, esse é um dos muitos livros que tenho na minha mesinha de cabeceira para ler um dia!Obrigada pela sua apreciação.Almerinda

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