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segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

A Convidada escolhe: Autobiografia de uma Mulher Romântica

Autobiografia de uma Mulher Romântica” – Natália Nunes, 1954

Há muito que desejava conhecer a obra de Natália Nunes, tendo apenas referências através de dois cursos online que frequentei sobre escritoras portuguesas desconhecidas. Mesmo em bibliotecas públicas é difícil aceder à obra desta escritora nascida em 1921. No entanto, sabia da paixão de Teresa Sousa de Almeida pela obra desta escritora, tendo-a estudado de forma intensa a aprofundada. “Autobiografia de uma Mulher Romântica” que encontrei na livraria Snob, um romance escrito na primeira pessoa, é prefaciado por Teresa Sousa de Almeida, que o caracteriza como “obra única pela sua estrutura formal e pela complexidade psicológica da sua narradora” que encontra “a escrita como única tábua de salvação”.

Clotilde, a narradora, começa por falar da chuva naquele dia em que chegou “à terra do exílio” (pág. 21) que lhe faz recordar um outro dia marcante, de chuva inclemente de que só saberemos no final do romance. Ela está num quarto de pensão numa Vila, onde irá dar aulas de alemão num colégio da terra. A viver um momento de dor profunda, logo se percebe que essa dor não decorre da sua viuvez recente, mas de uma paixão posterior não correspondida.

Enquanto não começam as suas aulas que só se iniciarão uma semana depois, aproveita para passear pela aldeia de pescadores, passear pelas dunas e ver o mar, tentando obter serenidade através do contacto com a natureza. Desde o início, o/a leitor/a segue as descrições minuciosas da paisagem, da vida vegetal e animal, e as reflexões que acompanham a narradora ao longo desse percurso. No tempo livre de que dispuser vai recordar a infância, o papel da austera avó Gracinda com quem viveu nos seus primeiros anos de vida e da preceptora Charlotte, uma mulher livre que sempre a aconselhou “a seguir sempre os seus impulsos” (pág. 98). “Talvez devesse aproveitar as horas livres que me vão surgir, para fazer aquilo que se chama um exame de consciência, para dirigir um olhar perscrutador a todo o meu passado, contemplar numa visão retrospectiva o caminho que já percorri e me trouxe assombrada e desolada a este exílio…” (pág. 76)

Desde sempre a ligação que estabeleceu desde nova com a natureza na aldeia da avó trazia-lhe uma sensação de plenitude a que se seguia um sentimento de insatisfação e até desespero, sendo que os sentimentos de incompletude e frustração caracterizaram as suas primeiras experiências sentimentais, que a levaram a isolar-se, sentindo que era “esquisita”.

Clotilde não se enquadra no modelo tradicional que a avó Gracinda e a tia Constância queriam para ela e para as primas, que era final o caminho asfixiante da sujeição aos padrões da docilidade e da domesticidade que estavam reservados para as mulheres como esposas e donas de casa e não como pessoas com autonomia e vontade própria. Apesar do breve período da sua vida que correspondeu a um curto noivado e casamento e em que existiu um certo apaziguamento que a leva a seguir as convenções e as normas impostas socialmente, Clotilde confessa “Eu tinha uma tendência para complicar a vida!” (pág. 167), à felicidade segue-se o tédio, a vontade de fugir. Foi em Filipe que ela viu pela primeira vez uma vida com sentido, alguém cuja “passagem pela vida” era “significativa e útil”. (pág. 173)

Como escreve Teresa Sousa de Almeida no prefácio (pág. 12) “as heroínas de Natália Nunes, apesar de todas as vicissitudes, encontram sempre o seu caminho” e Clotilde, a terminar o romance decide regressar às serras da sua infância e diz: “Fui repelida e desprezada por ser uma romântica. Pois não serei eu quem desminta a minha natureza! Se não tenho lugar neste mundo fujo para as penhas nas alturas solitárias e levo a minha alma, que o meu corpo de bicho montês sabe contentar-se com as caricias das fragas e com os beijos dos arbustos!”

Um romance escrito por alguém com profundo domínio da língua, usando vocabulário rico e elaborado e totalmente dedicado a analisar os estados de alma de uma mulher fora dos padrões expectáveis na sociedade portuguesa dos anos 1950.

15 de Agosto de 2025

Almerinda Bento

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