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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Leituras 6* de 2024

 Estes foram os livros lidos em 2024 a que atribuí 6*

(sem qualquer ordem de preferência)









 
Cris


Passatempo Final do Ano

Para premiar os leitores mais assíduos do blogue sorteei quatro nomes de leitores que comentam as publicações do blogue com assiduidade! Cada um pode escolher um livro destes colocados neste post. Serão enviados por ordem de chegada do pedido pelo que, quem ganhou, apresse-se a escolher. Comentem aqui no post.

Os contemplados são:

- Alexandra Guimarães 

- Carla Sousa

- Cidália Ferreira

Isabel

 

 

 

 

Os livros escolhidos são:

 
Cris


 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

"Caruncho" de Layla Martínez

Já não me recordo de quando terminei este livro porque não apontei. Surge, por isso, em última opinião deste ano se bem que já lá vão certamente alguns meses que o li.

É uma história que se estranha ao princípio mas que se entranha rapidamente. O cenário é no mínimo estranho e algo sobrenatural, uma casa meia assombrada que quase tem vida própria, uma família disfuncional, mulheres de uma família, de diferentes gerações,  que tentam sobreviver.

A narrativa é feita a duas vozes, ambas femininas, a avó e a neta e retrata quatro mulheres de gerações diferentes, numa Espanha que vai desde o Franquismo até à contemporaneidade. A casa é o ponto central, de união mas também de discórdia. Quase que opina, obriga e dirige aquelas vidas. A casa, uma personagem a juntar aquelas outras quatro gerações de mulheres. As suas paredes escondem segredos, os homens não duram muito dentro dela, daquelas paredes que parecem ter vida própria.

A mesquinhez das pessoas, as raivas antigas acumuladas, a violência que a fome e a miséria trazem, a vingança, tudo corrói por dentro o ser humano. Como o caruncho. 

De leitura fluída, muito diferente e original, um texto algumas vezes corrido como se de um discurso oral se tratasse, com uma trama arrebatadora precisamente pela diferença que o leitor sente ao lê-lo. Bem escrito, muito bem escrito. Capa belíssima, apropriada.

Nota final: no posfácio do tradutor podemos ler "deste livro não saímos incólumes. O ambiente está saturado de rancor, de violência; quem o lê sente o bicho ruim a roer as páginas e a querer desenterrar túneis para as suas mãos, por baixo da epiderme; a certo ponto, quase sentimos o caruncho dentro de nós." (pág. 121)

Terminado em 2024 em data não assinalada

Estrelas: 5*

Sinopse
CARUNCHO (2021) narra o regresso de uma neta, acusada de um crime, à casa rural da família e mergulha o leitor no coração de uma Espanha vazia, marcada por resquícios do franquismo, uma terra tão agreste e estéril como o destino a que condena as mulheres que nela vivem. Contada a duas vozes, pela jovem e pela avó, esta história de rancor e vingança é indissociável da memória do lar assombrado, de espectros que clamam justiça, entre quatro paredes sobre as quais pesam traumas herdados e décadas de violência e opressão. Um aclamado romance de estreia, com ecos de Pedro Páramo, de Juan Rulfo, e de alguns contos de Silvina Ocampo, em que se entrelaçam terror, injustiça social e uma pesada herança familiar que, como o caruncho, corrói as protagonistas. 

Cris

"Irmãos Inesperados" de Amin Maalouf

Só agora me dei conta que este foi o meu último livro lido de 2024. Comecei vários mas como o meu estado de cansaço e distracção é muito elevado, não acabei mais nenhum depois dele. Achei por bem dar folga à leitura e nem tenho tentado ler mais nada. 

Esta obra foge (ia dizer "um pouco" mas, na realidade, é "em muito"!) daquilo que habitualmente leio. Creio que se poderá classificar de distopia e costumo ler mais coisas terra a terra, com algum ou bastantes factos verídicos ou, pelo menos, baseados em.

Mas gostei do que li. Alec e Ève vivem sozinhos numa pequena ilha na costa do Atlântico, isolados mas nem se conhecem. Os seus únicos contactos fazem-se através de uma barco para uma ilha próxima onde existe uma pequena comunidade. Por diferentes motivos, refugiaram-se ali e estão bem assim. Mas uma avaria nos meios de comunicação, sem que percebam o motivo, junta-os e isto é o ponto de partida para uma trama que nos faz refletir muito. 

O desenhador e a romancista encontram nesse episódio motivo de conversa e começam um relacionamento mais próximo com o desenrolar dos acontecimentos estranhos que sucedem no mundo a partir desse corte nas comunicações.

O mundo em guerra, a proximidade de um cataclismo nuclear, fica suspenso com essa avaria. Ninguém sabe o que se passa e as comunicações não se fazem. O perigo da guerra é interrompido. Eis que surgem algumas pessoas que, quais salvadores, repõem e corrigem o corte das comunicações. Quem são eles e o que pretendem?

Já imaginaram o que seria e como estamos dependentes delas? Um livro para se fazer uma reflexão demorada sobre assuntos actuais.

A capa remete para a civilização grega que, aparentemente nada tem a ver com o que referi mas fará todo o sentido aquando da leitura.

Terminado em 23 de Novembro de 2024

Estrelas: 4*

Sinopse
"Alec, desenhador de meia-idade, e Ève, romancista, são os únicos habitantes de uma pequena ilha na costa do Atlântico. Evitam-se, até ao dia em que uma avaria inexplicável em todos os meios de comunicação os força a sair da sua solidão.
O que se passa? O planeta sofreu algum cataclismo após as ameaças contínuas de conflito nuclear e ataques terroristas em grande escala? O que aconteceu nas ilhas próximas, no litoral, no resto do país, no resto do planeta?
Aos poucos, Alec vai resolver o mistério. Graças ao seu velho amigo Moro, que se tornou um dos conselheiros de confiança do presidente dos Estados Unidos, conseguirá reconstruir o desenrolar dos acontecimentos, até descobrir que, embora a humanidade tenha escapado ao desastre, o fez de uma forma tão estranha e inesperada que a História não poderá retomar o seu curso como antes.
O encontro tumultuoso dos nossos desorientados contemporâneos com os seus «irmãos inesperados» , pertencentes a uma misteriosa civilização que se autoproclama herdeira da Grécia antiga e que alcançou um conhecimento médico muito mais avançado do que o nosso, faz deste romance um conto moderno de grande força dramática."

Cris

"Pequenos Mundos" de Caleb Azumah Nelson

Não li o livro anterior desta autor, "Mar Alto", mas fiquei curiosa e este atraiu-me.

Escrito maioritariamente na primeira pessoa, facto que me agrada sobremaneira nos livros que leio porque, acredito, o tom intimista que se gera cria uma proximidade com o leitor. De facto isso aconteceu aqui.

O narrador é Stephan, ainda adolescente, de raízes ganenses, e a história gira durante alguns verões passados em Londres onde habita com os pais e irmão. Os seus amores, as suas desavenças familiares, a auto-descoberta daquilo que pretende da vida, as quedas e os avanços que os contratempos lhe trazem. As quezílias familiares e amorosas que marcam o seu destino. E, sobretudo, o seu amor pela música/dança que o mantém vivo e o salva em muitas situações. Conhecendo as suas raízes (os pais são do Gana) inspira-se e descobre o que pretende para o seu futuro, descobrindo a sua identidade. Fala-nos de perda e de luto, dos traumas que permanecem muitas vezes sem lhes darmos os devidos créditos e como condicionam as nossas atitudes no futuro. Das raízes culturais e de culturas assimiladas.

Leitura que penetra em nós muito rapidamente e que se faz rápida sem momentos moles ou desinteressantes, com capítulos curtos. Brilha pela construção das personagens que são consistentes, com virtudes e defeitos. Reais. Muito interessante verificar como o leitor acompanha inquieto as metamorfoses a que Stephan passa para o ver florescer mais tarde.

Recomendo!

Terminado em 15 de Novembro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
SÓ A DANÇA FAZ SENTIDO PARA STEPHEN.
Stephen dança na igreja, com os pais e o irmão, o brilho das mãos negras levantadas em louvor; ele pode ter perdido a fé, mas se há coisa na qual ainda acredita é no ritmo.
Dança com os amigos, algures numa cave, à espera da entrada enérgica da batida, do verdadeiro clímax na música eletrónica do DJ.
Dança com a sua banda, criando música que fala não só das dificuldades da vida, mas também das alegrias.
Dança com a sua melhor amiga, Adeline, rodopiando pela sala, cantando, mexendo-se ao ponto de quase encostarem as cabeças.
Dança sozinho, em casa, ao som dos discos do pai, descobrindo partes de um homem que nunca conheceu verdadeiramente.
E SE A MÚSICA DESAPARECE?
Quando o pai começa a falar de vergonha e sacrifício, quando Stephen deixa de ver a sua casa como sua, como encontrará ele espaço para si mesmo: um lugar onde possa sentir-se bem, bonito, livre? Passado ao longo de três verões na vida de Stephen, de Londres ao Gana e de volta a Londres, Pequenos Mundos é um romance emocionante e expansivo sobre os locais e as emoções que construímos para nós mesmos, sobre os mundos em que vivemos, em que dançamos e em que amamos.

Cris

"A Forasteira" de Olga Merino

Leitura intensa esta que nos conta a história de uma mulher de meia idade que se sente e é tratada como forasteira numa Andaluzia profunda, fechada em si mesma, quase desertificada. Angie escolheu regressar e viver sozinha, apenas com os seus cães, a uma casa meia arruinada, a casa de seus antepassados.

O leitor consegue visualizar na perfeição o ambiente e os pormenores físicos dessa aldeia e das poucas pessoas que interagem com a personagem principal. O ambiente e os habitantes são agrestes e o leitor sente e vê. Um filme passa pelos nossos olhos. As descrições são perfeitas, a autora é exímia nisso.

Angie escolheu a solidão e as poucas pessoas com quem convive bastam-lhe. O seu passado vem ter connosco aos poucos e a sua relação com um artista inglês explica, em parte, essa necessidade de afastamento. Vai descobrindo mistérios familiares e descobrindo, de igual modo, a sua resiliência face aos problemas que vão surgindo, criados por alguns habitantes.

Para apimentar a trama, o descobrir de algumas mortes, passadas e presentes (suicídios?) que escondem dramas do passado e revelam histórias e rivalidades. 

Personagens credíveis, temas fortes (ruralidade, o contacto com a natureza, a falta de compaixão, a solidão, imigração ilegal) que servem para contar uma história que prende e que vai caminhando entre passado e presente. Linguagem crua, detalhada, apaixonante.

Final em aberto. Gosto disso! Recomendo!

Terminado em 11 de Novembro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
Numa Andaluzia rural e quase desertificada, Angie é o último membro de uma família pobre oriunda de um bairro operário de Barcelona. Vive isolada, numa casa decrépita, apenas acompanhada pelos dois cães, os fantasmas do passado familiar e a memória de um grande amor de juventude.
Uma manhã, descobre o corpo do proprietário das terras da região enforcado numa nogueira, o que vai fazer perigar a permanência de Angie no seu pequeno pedaço de terra. Enquanto luta pelo que lhe pertence, descobrirá segredos bem enterrados, entre eles o que liga a sua família à dos latifundiários – uma estranha dinastia com uma história de suicídio a cada geração.
Considerado um western contemporâneo, género em que o território, a lei, o peso da paisagem e as pessoas divididas têm protagonismo, A Forasteira é também um magnífico romance sobre liberdade e resistência.

Cris

domingo, 29 de dezembro de 2024

"O Outro Eu" de Daphne du Maurier

As sensações que esta leitura me trouxeram não as vou esquecer tão cedo. Esta história vai ficar durante muito tempo no meu coração. Digo coração porque a memória de galinha que possuo não me vai permitir narrá-la com pormenores durante muito mais tempo mas, isso não é o motor que me leva a pegar num livro. Nunca costumo narrá-lo a alguém pois os spoilers estragam o prazer que outros podem beneficiar com as leituras que recomendo.

Depois de muito o recomendar, houve quem me dissesse que o tema abordado nesta obra não é inédito e que outros livros também se serviram dele como base para as suas histórias, inclusive o nosso Nobel Saramago! Fiquei curiosa em ler mais sobre o assunto para ver se é tratado com a mesma mestria que Daphne o fez.

Então, como o título deixa antever, trata-se de uma história em que dois homens desconhecidos se encontram. A especificidade aqui é que eles são "duplicados", iguais sem serem irmãos nem tampouco gémeos. Até o nome próprio se assemelha embora sejam de nacionalidades diferentes: um é francês (Jean) e o outro britânico (John).

O narrador é Jean, professor solitário, sem família, triste com o emprego que possui. Jean, pertence a uma família com linhagem, é rico. Cruzam-se numa estação de comboio, pormenor que creio ainda lembrar-me. Algo se passa que não vou revelar e trocam de vidas. É o ponto de partida para uma história muito bem contada, pela qual fiquei presa de imediato tanto pela forma como é contada (o leitor consegue colocar-se dentro do narrador) como porque me senti muito próxima de Jean. Personagem principal muito bem caracterizado!

Os capítulos finais são muito intensos, a ansiedade devorou-me, e o final não é previsível nem aquele que, um lado de mim, gostaria de ter lido. O outro eu, a outra metade adorou! Achei sublime (confesso que fiquei muito irritada também! Não achei "justo"!). a mestria da autora a revelar-se...

Recomendo muitíssimo!

Terminado em 23 de Outubro de 2024

Estrelas: 6*

Sinopse
Quando dois homens iguais se cruzam numa estação de comboios, a realidade parece dar lugar ao que, hoje, podíamos chamar metaverso. Mas quanta daquela estranha ilusão pode, afinal, ser real? Numa estação de comboios, na província, John, o inglês, e Jean, o francês, veem-se e parecem estar, ambos, em frente ao espelho. A verdade, como percebem em poucos segundos, é que são idênticos, iguais - nem rasto de diferenças. As horas passam, e os dois sósias conversam e bebem animadamente, até John cair num absoluto e anestesiante torpor alcoólico. Porém, quando desperta, o inglês percebe que aquele pode bem ter sido o seu último momento de sossego: Jean roubou-lhe a identidade e desapareceu. E é então que John resolve tomar também o lugar do francês. Na nova vida de John, isto é, a de Jean, o inglês terá de desempenhar vários e estranhos papéis: vê-se dono de um château, dá por si a gerir um negócio à beira da falência e, pior, é a personagem principal de uma família pouco recomendável. Resumindo: John, perdão, o novo Jean é o grande senhor de nada. Hitchcockiano, imersivo e surpreendente, O Outro Eu é um livro que parte da ideia de duplo para questionar os conceitos de identidade e verdade, enquanto joga com o anguloso e menos solar lado da palavra «Eu». 

Cris

"A Casa da Paixão" de Nélida Piñon

Há livros em que colocamos muita expectativa e que depois nos deixam esmorecidos. Este foi um deles! Sobretudo porque achei a escrita da autora muito difícil sem lhe conseguir extrair aquilo que desejava: um sentido para o que li. Poucos livros me deixaram assim tão confusa, em poucos reli tantas vezes as mesmas frases para perceber o sentido delas! Quase a totalidade do texto necessitou de mim uma atenção extrema, o que dificultou em muito a leitura.

Este é um livro que ultrapassa a minha inteligência. Não compreendi a sua história ou muito pouco dela e o que percebi não me cativou.

Dou 3 estrelas porque o terminei (quando vejo que não gosto, abandono. Daí nunca ter 2 estrelas), sempre na esperança de perceber a sua história e o seu sentido. Há livros que podem ser bons mas que não são para nós. Este é um deles. Tive pena, muita, porque tenho aqui outros livros da autora que pretendo ler: República dos Sonhos, Livro das Horas, Vozes do Deserto e Uma Furtiva Lágrima

O tema? Incesto ou desejo do mesmo, nem sei bem. 

Terminado em 28 de Outubro de 2024

Estrelas: 3*

Sinopse
«Quando, em 1972, Nélida Piñon publicou A Casa da Paixão, a ditadura militar torturava o Brasil há oito.
Toda a escrita é transgressão, aventura nas escarpas da liberdade, coragem de encarar os abismos da existência humana – ou então, não vale a pena escrever.
Nélida teve sempre com a palavra essa relação de intransigente honestidade e valentia que caracteriza o escritor autêntico.
Que um livro tão livre tenha sido escrito num país sufocado por um regime de terror, e escrito por uma narradora opiparamente omnisciente, com suficiente autoconfiança para dispensar toda e qualquer certeza, não é acontecimento de somenos.
Um romance destemidamente erótico e sem biombos sentimentais.
Um romance que faz da língua portuguesa uma experiência libidinosa.
Um romance que pega no registo da narrativa clássica – introdução, desenvolvimento e clímax – para o fazer explodir, e, explodindo, recomeçar a pensar.»
Do prefácio de Inês Pedrosa

Cris

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

A Convidada Escolhe: Timbuktu

Timbuktu, Paul Auster, 1999

Depois de “Um Cão no Meio do Caminho” de Isabela Figueiredo e na sequência da reflexão sobre as relações de puro afecto que se estabelecem entre as pessoas e os animais, a sugestão do próximo livro, aceite pelo grupo do Círculo de Leitura da UNISSEIXAL, foi este livro de Paul Auster. Para mim, o primeiro livro que leio deste autor norte-americano falecido este ano.

Mr. Bones é a personagem principal em “Timbuktu”. Mr. Bones, um vira-lata, “uma completa embrulhada de traços genéticos” (pág. 8) que, ao longo da narrativa vai ser “baptizado” com outros nomes. Há sete anos que Mr. Bones é o companheiro fiel de Willy, um vagabundo e poeta que, embora sabendo ser “uma alma perturbada e que chumbara no exame de aptidão a este mundo”, andava “de cabeça erguida” (pág. 12), pois tinha noção do valor dos manuscritos que escrevera ao longo da vida. Afinal, “era apenas mais uma criatura bizarra na cena americana” (pág. 27), tendo Mr. Bones como seu interlocutor e fiel companheiro de jornada. Logo no início do livro, percebemos, tal como Mr. Bones, que Willy está a chegar ao fim da vida.

O que acontece a um cão que fica sozinho no mundo? Como sobreviver, quando reconhece que o dono não lhe preparou o futuro? O narrador põe-nos na cabeça de Mr. Bones que reflecte sobre si, sobre a sua visão do mundo, moldada pela aprendizagem da sua vagabundagem ao longo de sete anos com Willy. Mr. Bones tem sentimentos - ansiedade, medo, terror, bem-estar, saudades – e sonhos premonitórios que o preparam para o que virá a seguir. É também o resultado dos preconceitos e do estilo de vida errante que o seu dono lhe proporcionou. Treme quando vê polícias e foge a sete pés nas proximidades de um restaurante chinês. Fica humilhado quando ao fazer tudo bem para abocanhar um pombo, ele lhe foge no último segundo. Percepciona quem mais precisa dele e lhe confidencia os seus problemas mais íntimos. Questiona-se sobre se será melhor viver na rua e em liberdade a comer os restos que encontra, ou amarrado e confinado a um espaço limitado, mas com comida e água garantidas. Mr. Bones teve a possibilidade de conhecer o mundo da pobreza e o mundo da opulência, a rua e a “América das garagens para dois carros” (pág, 139).

Desde que Willy morreu, sempre que as suas pernas lhe permitiram, Mr. Bones fugiu. Willy falara-lhe num sítio “onde as pessoas iam depois de morrerem. (…) Nas últimas semanas, Willy não tinha falado de outra coisa, e agora não havia na mente do cão a menor dúvida de que o outro mundo era um sítio real e não uma invenção. Chamava-se Timbuktu” (pág. 45). Por muito carinho que algumas pessoas lhe tenham dado depois da morte de Willy, Mr. Bones sente saudades e sempre que sonha com ele acorda com “a sensação de que Willy continuava com ele. Mesmo que o dono não pudesse estar presente, era como se estivesse a observá-lo. (…) Mr. Bones não era propriamente um especialista em análise de sonhos, visões e outros fenómenos mentais, mas estava certo de que Willy morava agora em Timbuktu, e se há pouco estivera com Willy, talvez isso também quisesse dizer que o sonho o levara a Timbuktu.” (pág. 108).

É um livro de uma grande ternura, triste, mas com momentos hilariantes, com descrições hiper-realistas e muito bem traduzido por José Vieira de Lima. E, ao ter um cão no centro da narrativa, tem a grande qualidade de nos questionar sobre a vida dos humanos e dos animais. Uma leitura que recomendo.

11 de Dezembro de 2024

Almerinda Bento