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segunda-feira, 8 de julho de 2019

A Escolha do Jorge: “Vida à Venda”


“Não existe nada que nos dê mais segurança do que não saber para onde nos levam os nossos pés.” (p. 188)

“Vida à Venda” é uma das últimas obras de Yukio Mishima (1925-1970), um dos nomes maiores da literatura japonesa do século XX, apontado várias vezes para o Nobel da Literatura. Publicada em 1968, na revista Playboy, “Vida à Venda” explora os meandros da mente atormentada de Hanio Yamada, um jovem de vinte e sete anos, residente em Tóquio, com uma vida sem problemas de maior, com emprego estável, salário bem remunerado, mas sem razões aparentes para sentir a alegria de viver.
Após uma tentativa de suicídio falhada, Hanio tem a ideia alucinante de colocar a sua vida à venda, sendo esse o mote desta obra singular.
"Vendo a minha vida. Pode utilizá-la conforme as suas conveniências. Sou homem e tenho vinte e sete anos. Máxima discrição garantida. Não causarei qualquer transtorno." (p. 12)
Hanio estava decidido em alcançar o seu objectivo, o de pôr termo à sua vida, sabendo de antemão dos riscos que correria com o anúncio num jornal.
Se morrer era o objectivo de Hanio, o anti-herói desta narrativa não esperava que a sua vida nos tempos a seguir iria dar uma volta inimaginável. Se antes de colocar a sua vida à venda, Hanio não encontrava razões para viver, qual não é o seu espanto quando descobre que deixará de ter razões para morrer, percebendo a alegria do que é sentir estar vivo. “Todas as manhãs, ao acordar maravilha-se por pertencer ao mundo dos vivos.” (p. 195)
Hanio Yamada embarca numa viagem sem precedentes numa Tóquio que lhe era desconhecida, começando a interagir com personagens inimagináveis, desde uma mulher viciada em sexo, espiões associados aos Serviços Secretos Asiáticos (SSA), uma mulher vampira, outra viciada em LSD, entre outros, na sequência da publicação do anúncio. Mas a procura dos serviços de Hanio terá sido com objectivos específicos e particulares ou Hanio, sem que o esperasse, terá sido alvo de uma emboscada ao ponto de o ter levado a sentir a adrenalina face ao desejo imperioso de viver que inesperadamente começa a sentir.
À medida que a narrativa avança, é pertinente questionarmos sobre a dimensão ética no que respeita ao valor da vida, sobre se é ou não correcto colocar a vida à venda, aplicando-se as mesmas questões face aos potenciais compradores da vida de outrem. “Mas uma coisa imoral não quer dizer que seja ilegal. Criminosos são os que compram a vida de outra pessoa e a usam para fins desonestos. Eles, sim, são os verdadeiros párias da sociedade. Quem a vende não pode ser considerado criminoso.” (p. 214)
Em todo o caso, a questão central mantém-se: o querer morrer e a frustração em não conseguir concretizar o acto. E também as dissertações que opõem o suicídio ao assassinato que enriquecem a narrativa no que respeita ao sentido da vida.
"A minha vida não tem qualquer valor, trata-se apenas de um produto que está à venda como qualquer outro. Pensando isso, é óbvio que tenho de aceitar o que possa acontecer nesse contexto, mas desagrada-me ser morto contra a minha vontade. Por isso, estou preparado para me suicidar.” (p. 207)
Numa narrativa dimâmica e apelativa, Yukio Mishima arrasta o leitor para o epicentro de uma história que mais parece um filme alucinante. Passado mais de meio século da sua edição, “Vida à Venda” apresenta-se com uma linguagem intemporal, havendo somente um ou dois aspectos que aludem à Tóquio dos anos sessenta. Ainda hoje, a presente narrativa daria um excelente filme de acção sem prejuízo do aspecto de carácter mais reflexivo no que respeita ao sentido da vida, assim como os sucessivos apelos da morte, não esquecendo que o Japão apresenta actualmente uma das taxas de suicídio mais elevadas do mundo.
Texto da autoria de Jorge Navarro

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