“Não
existe nada que nos dê mais segurança do que não saber para onde
nos levam os nossos pés.” (p. 188)
“Vida
à Venda” é uma das últimas obras de Yukio Mishima (1925-1970),
um dos nomes maiores da literatura japonesa do século XX, apontado
várias vezes para o Nobel da Literatura. Publicada em 1968, na
revista Playboy,
“Vida à Venda” explora os meandros da mente atormentada de Hanio
Yamada, um jovem de vinte e sete anos, residente em Tóquio, com uma
vida sem problemas de maior, com emprego estável, salário bem
remunerado, mas sem razões aparentes para sentir a alegria de viver.
Após
uma tentativa de suicídio falhada, Hanio tem a ideia alucinante de
colocar a sua vida à venda, sendo esse o mote desta obra singular.
"Vendo
a minha vida. Pode utilizá-la conforme as suas conveniências. Sou
homem e tenho vinte e sete anos. Máxima discrição garantida. Não
causarei qualquer transtorno." (p. 12)
Hanio
estava decidido em alcançar o seu objectivo, o de pôr termo à sua
vida, sabendo de antemão dos riscos que correria com o anúncio num
jornal.
Se
morrer era o objectivo de Hanio, o anti-herói desta narrativa não
esperava que a sua vida nos tempos a seguir iria dar uma volta
inimaginável. Se antes de colocar a sua vida à venda, Hanio não
encontrava razões para viver, qual não é o seu espanto quando
descobre que deixará de ter razões para morrer, percebendo a
alegria do que é sentir estar vivo. “Todas as manhãs, ao acordar
maravilha-se por pertencer ao mundo dos vivos.” (p. 195)
Hanio
Yamada embarca numa viagem sem precedentes numa Tóquio que lhe era
desconhecida, começando a interagir com personagens inimagináveis,
desde uma mulher viciada em sexo, espiões associados aos Serviços
Secretos Asiáticos (SSA), uma mulher vampira, outra viciada em LSD,
entre outros, na sequência da publicação do anúncio. Mas a
procura dos serviços de Hanio terá sido com objectivos específicos
e particulares ou Hanio, sem que o esperasse, terá sido alvo de uma
emboscada ao ponto de o ter levado a sentir a adrenalina face ao
desejo imperioso de viver que inesperadamente começa a sentir.
À
medida que a narrativa avança, é pertinente questionarmos sobre a
dimensão ética no que respeita ao valor da vida, sobre se é ou não
correcto colocar a vida à venda, aplicando-se as mesmas questões
face aos potenciais compradores da vida de outrem. “Mas uma coisa
imoral não quer dizer que seja ilegal. Criminosos são os que
compram a vida de outra pessoa e a usam para fins desonestos. Eles,
sim, são os verdadeiros párias da sociedade. Quem a vende não pode
ser considerado criminoso.” (p. 214)
Em
todo o caso, a questão central mantém-se: o querer morrer e a
frustração em não conseguir concretizar o acto. E também as
dissertações que opõem o suicídio ao assassinato que enriquecem a
narrativa no que respeita ao sentido da vida.
"A
minha vida não tem qualquer valor, trata-se apenas de um produto que
está à venda como qualquer outro. Pensando isso, é óbvio que
tenho de aceitar o que possa acontecer nesse contexto, mas
desagrada-me ser morto contra a minha vontade. Por isso, estou
preparado para me suicidar.” (p. 207)
Numa
narrativa dimâmica e apelativa, Yukio Mishima arrasta o leitor para
o epicentro de uma história que mais parece um filme alucinante.
Passado mais de meio século da sua edição, “Vida à Venda”
apresenta-se com uma linguagem intemporal, havendo somente um ou dois
aspectos que aludem à Tóquio dos anos sessenta. Ainda hoje, a
presente narrativa daria um excelente filme de acção sem prejuízo
do aspecto de carácter mais reflexivo no que respeita ao sentido da
vida, assim como os sucessivos apelos da morte, não esquecendo que o
Japão apresenta actualmente uma das taxas de suicídio mais elevadas
do mundo.
Texto da autoria de Jorge Navarro
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