Grazia Deledda, quem conhece? Depois de Selma Lagerlöf, Grazia Deledda foi a segunda mulher a receber o prémio Nobel da Literatura em 1927. Natural de Nuoro, uma terra isolada da Sardenha onde nasceu e viveu até aos 25 anos, altura em que foi viver para Cagliari, a capital. Casa em 1900, com 29 anos e vai viver para Roma até ao final dos seus dias, em 1936. No entanto, a vivência da infância e juventude na sua terra natal e a cultura e tradições sardas muito enraizadas nela são os traços da sua escrita pictórica e muito expressiva.
“Marianna Sirca” é uma das poucas obras traduzidas em português e editadas pela Sibila Publicações, de entre a muito vasta obra desta escritora. É a história de um amor impossível. Uma mulher jovem, que recebeu por herança um rico património por parte de um tio padre com quem viveu até à sua morte, apaixona-se por um homem mais novo. As diferenças de classe e de estatuto social entre os dois são a impossibilidade de concretização desse amor. Ela uma rica proprietária de terras e de rebanhos; ele um antigo criado da casa, actualmente fugido à justiça por se ter tornado bandido.
Mas Marianna, farta de ser a menina obediente, esquecida de si própria para responder às necessidades dos outros e escrava até da criada Fidela que a controla, decide responder ao chamamento do coração e recusar as convenções e o destino que a família e a sociedade esperam dela: “Marianna, faz a vontade a quem te quer bem. Obedece.”. A afirmação de que quem manda nela é ela, a firmeza das suas convicções e das suas escolhas são incompreensíveis para os outros, que não aceitam aquilo que consideram insanidade. Afinal não é por ser uma mulher solteira, rica e livre que é mais livre do que Simone, o homem por quem se apaixona e que se esconde da justiça. Como ela diz num diálogo com a criada, o que é afinal a liberdade? Será que somos verdadeiramente livres?
Os outros temas deste livro, para além do amor, da liberdade, do estatuto submisso que é esperado por parte das mulheres, são a coragem, a cobardia e a honra. As personagens não são lineares, avançam, vacilam, são verdadeiramente humanas e com contradições, mesmo quando as suas personalidades são fortes. Não são doces nem cândidas, tal como a natureza agreste onde vivem, pintada pela pena da Grazia Deledda. A neve quando cai, ou a chuva quando ensopa as roupas e o corpo têm o seu reverso quando o calor e o Sol inclementes do Verão se fazem sentir. Ao lermos conseguimos sentir a escuridão dos bosques, o som do regato que corre, a frescura da água da fonte, os sons da noite, e a presença da Lua na sua diversidade.
O casamento que nenhum padre se prestou a celebrar tem a sua expressão final e muito visual no ritual da morte de Simone. A despedida da mãe, a presença do padre que lhe dá a extrema unção, a deposição do anel de diamante que havia sido roubado no dedo de Marianna para ser devolvido a Nossa Senhora dos Milagres. Um quadro muito forte em que sobressai a cor do sangue nos lençóis que enfaixam Simone, o sofrimento do ferido de morte e a dor das duas mulheres que mais o amaram e que são impotentes para o salvar. E em tudo isto uma profunda religiosidade a envolver a cena da morte.
Sendo um livro muito datado há, no entanto, nos sentimentos e reacções das personagens uma actualidade intemporal que corresponde à condição humana. Não foi certamente por acaso que o membro da academia sueca que atribuiu em 1927 o prémio Nobel da Literatura a Grazia Deledda, referiu que na sua obra “todos os caminhos conduzem ao coração humano”.
Em boa hora Sibila Publicações se lembrou de editar esta escritora sarda tão pouco divulgada e conhecida entre nós.
16 Março 2019
Almerinda Bento
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