Este foi um livro que me entusiasmou e prendeu logo no início. No entanto, houve momentos do livro que perderam ritmo e capacidade de manter o interesse, mas que foram superados à medida que o livro foi caminhando para o final. É um livro muito agradável de ler, não sendo por acaso que tem sido um bestseller com inúmeras traduções e edições em todo o mundo. Com frequência me recordou o estilo e os ambientes dos livros da escritora inglesa Joanne Harris.
Jean Perdu, proprietário de um barco-livraria “Farmácia Literária” acostado num cais do Sena na cidade de Paris, tem uma capacidade muito particular de ler as pessoas que visitam a sua livraria e de lhes “receitar” os melhores livros para os seus males e necessidades. É um “leitor de almas”. No entanto, esta sagacidade de J. Perdu relativamente aos outros contrasta com a sua própria reclusão emocional que se adivinha resultar de um antigo desgosto de amor que mudou o rumo da sua vida. Despojado de bens materiais, vive com o mínimo essencial; para além do barco e dos livros, só se permite ser tocado pelo calor dos seus gatos Kafka e Lindgren a “única fresta” que ele deixava abrir na “sua carapaça defensiva”. Estendido no chão da sala vazia do seu apartamento em Paris, um puzzle com muitos milhares de peças que ele monta e desmonta, para voltar a montar outra vez.
A escolha de “O Livreiro de Paris” para traduzir o original “Das Lavendelzimmer” pode levar a pensar que este é um livro que se passa em Paris. Mas a verdade é que Paris vai tão só ser o ponto de partida para uma longa viagem para sul, ao longo do Sena, do Loire e do Ródano, passando por canais, comportas, pequenos portos e aldeias banhadas por estes rios até Sanary-sur-Mer no Mediterrâneo. Jean Perdu com outros viajantes acidentais, também eles “perdidos”, irá em busca de alguém que já não existe, vai em busca de si próprio, tentando recuperar os anos perdidos em que se retirou do mundo e da vida.
Este livro é uma viagem pelos livros, um roteiro “turístico” pelos campos, pelos rios e pelos canais a caminho do sul, um olhar pela natureza, uma festa pelos cheiros, sabores e por toda paleta de cores que a natureza oferece no Verão e no Outono. A Provença, os campos de alfazema, a vinha, os pomares, as hortas, os pessegueiros, os damasqueiros, os ciprestes, o mar e o céu azuis e tudo o que a natureza nos oferece são magnificamente descritos ao longo do livro e desta viagem fluvial de descoberta pessoal.
São muitos os autores e referências literárias trazidos neste romance, mas não queria deixar de aqui referir que Jean Perdu aconselhava “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago “contra excesso de trabalho e para descobrir o que é verdadeiramente importante. Contra a cegueira para o sentido da própria vida”. “Esse livro não é para quem está a começar a vida, mas sim para quem se encontra a meio da travessia. Para os que se perguntam que raio é que fizeram com a primeira metade. Para quem deixa de olhar para as pontas dos pés, que tão denodadamente se foram colocando um à frente do outro, sem realmente ver para onde é que seguia de uma maneira tão disciplinada e diligente. Cegos, apesar de conseguirem ver” (p. 39).
Interessante também a referência a Cuisery, a cidade dos livros, na Borgonha, que naturalmente teria de ser um lugar de passagem obrigatório para este livreiro de Paris ou para qualquer amante de livros. E por fim, o ponto final desta viagem - Sanary-sur-Mer - uma aldeia piscatória a poucos quilómetros de Marselha, que serviu de refúgio a muitos escritores alemães e austríacos fugidos do regime nazi a saber, Brecht, Thomas Mann, Stefan Zweig ou Wilhelm Herzog, entre muitos outros.
Ao sentimento de perda e de luto pela morte contrapõe-se a esperança no renascer da vida, que esta viagem/este livro nos propõe. Tal como Perdu diz, referindo-se a Manon “a morte dos que amamos não passa de um limiar entre um fim e um recomeço.”, também Nina George, a autora, na dedicatória do livro ao pai escreve: “Pai, contigo desapareceu a única pessoa que leu tudo o que eu escrevi, desde que aprendi a escrever. Sentirei a tua falta, sempre. Vejo-te em cada pôr-do-sol e em cada onda dos mares. Partiste a meio de uma palavra”.
Junho 2017
Almerinda Bento
Gostaria de ler este livro, não sei quando. Mas sempre tive muita curiosidade assim que saiu e ao ler esta opinião sobre ele, principalmente pelo 4º parágrafo e o último, essa curiosidade aumentou!
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