"História do Novo Nome - Juventude " - Elena Ferrante, 2012.
Tal como acontecera com o primeiro volume desta tetralogia, "História do Novo Nome", o volume dedicado à Juventude das duas amigas, tem uma estrutura e uma técnica narrativa que prendem o/a leitor/a de forma poderosa ao longo de quase quatrocentas páginas.
A partir de um encontro entre as duas, na Primavera de 1966, altura em que Lila confia a Lena uma caixa de metal com oito cadernos para que os guarde com a promessa de não os ler, Lena – a narradora – desvenda o que foram aqueles anos desde o casamento de Lila e a altura em que Lena já não vivia em Nápoles.
É um período muito tumultuoso, cheio de peripécias e de cenas, talvez em demasia! O final do primeiro volume de "A Amiga Genial" prenunciava que o casamento de Lila iria ser marcado desde o início por um desencontro total, não só pela personalidade indomável de Lila, mas pela própria cultura de poder patriarcal de Stefano. "As coisas tortas endireitam-se" ou "Tu já não és Cerullo. És a senhoar Carracci e deves fazer aquilo que eu te digo" são palavras de aviso de Stefano na viagem de núpcias. Também a irmã de Stefano, quando Lena lhe pergunta por Lila, lhe responde com um sorriso pérfido "vai aprendendo…" Há um pacto de silêncio entre as mulheres relativamente à violência doméstica, porque todas são vítimas e todas se comprazem sempre que mais uma de entre elas é vítima. "Além disso, não havia ninguém no bairro, principalmente entre o sexo feminino, que não achasse que ela precisava há muito tempo de uma boa zurzidela. Por isso as pancadas não haviam causado escândalo e em relação a Stefano até fizeram crescer a simpatia e o respeito, ali estava um que sabia ser homem." Repete-se o padrão machista; é a história de " A Fera Amansada" de Shakespeare!
Depois de um casamento e de todo o investimento que tal acarretou não há lugar a rejeições, nem a recusas, nem a divórcios. "Víramos os nossos pais baterem nas nossas mães desde a infância". O casamento era para a vida e implicava descendência, mas Lila é uma jovem de dezassete anos e não suporta os corpos das mulheres que habitam o bairro, que se transformam com o trabalho doméstico, com as gravidezes, com as pauladas; para Lila, a gravidez era "um vazio dentro de mim, uma doença".
Enquanto Lila sobrevive na sua gaiola "dourada" de mulher casada, Lena vive dividida e cheia de dúvidas sobre o interesse em continuar a estudar, ou antes, submeter-se ao destino de todas as raparigas do bairro; casar, ter uma vida "normal", ter um trabalho normal. Tal como sucedera quando eram crianças e andavam na escola, há um mimetismo entre as duas, como se fossem gémeas, siamesas, uma relação de dependência, uma tensão constante, uma competição, uma relação de amor-ódio que as leva a aproximarem-se, mas também a afastarem-se durante longos períodos. As dúvidas de Lena que constantemente a assaltam e a levam a pensar que não consegue lutar contra o destino da sua origem de rapariga do bairro pobre, que a fazem duvidar das suas capacidades e valor quando é confrontada com pessoas de outros meios que falam de realidades que não vêm nos livros da escola vão persistir. Quando parte para Pisa para estudar na Universidade e mais tarde quando decide escrever um manuscrito na terceira pessoa sobre as suas experiências, Lena oscila constantemente entre a segurança e a insegurança. O uso do dialecto como forma identitária na sua relação com as pessoas do bairro ou o uso de um italiano perfeito e burilado na escola, na universidade, nas conversas com pessoas cultas ou influentes é outro aspecto que põe Elena Greco (Lena/Lenú) em constante confronto e conflito consigo própria.
Mas, um tanto ou quanto inesperadamente, o sonho infantil de riqueza que Lena e Lila tinham acalentado de um dia virem a escrever um romance – em crianças tinham tido a experiência da escrita de "A Fada Azul" – vai materializar-se na publicação do manuscrito de Lena, transformado num romance e na sua presença em sessões de divulgação e de apresentação do livro.
Lila permanece em Nápoles. Lena ganha asas e os seus horizontes vão até Pisa e Milão, mas a política e o mundo fora das fronteiras de Itália vão abrir-se para ela.
Almerinda Bento
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