Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

domingo, 8 de junho de 2014

Ao Domingo com... Fernando Évora

Como a criança que fica deprimida ao saber que um dia o Universo se findará, também eu sinto uma enorme frustração quando penso em todos os livros que gostaria de ler e na falta de tempo de uma vida para o fazer. Nesses momentos cresce em mim uma sensação de terrível injustiça, como se sempre fintado pelo tempo, e dá-me ganas de acreditar na reencarnação como hipótese para resolver o problema (e, já agora, acreditar também num mundo celestial que sobreviva ao Universo que um dia se findará).


Ora se já a leitura dos clássicos, e dos grandes escritores que escaparam a essa eminente categoria, seria tarefa hercúlea, então a leitura dos novos autores portugueses complica imenso a coisa. Falo deste país onde se escutam tantos lamentos, bem fundamentados, de que não se lê e em que, paradoxalmente, são editados livros às molhadas. Nunca foi tão fácil editar um livro, basta que se reúna algum dinheiro e se compre a uma tipografia mascarada de editora uma centena, ou pouco mais, de exemplares. Não haverá, em muitos casos, promoção, noutros sequer distribuição. Isto levou a que muitos homens e mulheres, felizes por a sua escrita ter sido gabada desde a escola primária, se apeitassem a escrever um livro, até porque escrever um livro ainda é (sublinho o ainda) um ato que confere dignidade e maturidade a quem o faz, espécie de parte mais complicada da trilogia lugar-comum da árvore e do filho. É o vulgar livro do “fulano que escreve bem”, entendendo-se aqui que o escrever bem é dominar as regras de ortografia, sintaxe e, muito provavelmente, usar vocabulário erudito e desconhecido do
rústico, bem como uma adjetivação profusa e desusada. Se tiver um toque de sublimidade lírica ajudará à consideração de que o autor “é pessoa dotada de grande sensibilidade”. E estas características marcam grande parte do que se tem publicado no país (e nem só pelas tipografias travestidas de editoras, parece-me que há muito escritor consagrado na nossa praça a alinhar por esta via). Todavia existirão, neste mar de livros dos ilustres desconhecidos, os de qualidade; os de boa literatura, na minha mais do que discutível opinião de leitor. Só alguns críticos oficiais é que poderão dormir tranquilos a pensar que os bons livros são os editados pelas grandes editoras dos grandes grupos económicos e o resto não presta. Haverá, certamente, bons livros publicados sob a chancela de editores menores, daqueles que publicam tudo desde que lhe paguem (no fundo, os que ganham o dinheiro que os seus autores conseguem juntar em outras atividades, e não com a atividade do autor). 

Do passado sabemos que Luís de Camões teve dificuldade em publicar os seus Lusíadas, que Pessoa não foi devidamente reconhecido. Abundam esses exemplos em todo o mundo, talvez um pouco mais em Portugal. Desconhecemos, obviamente, se outros grandes escritores nunca publicaram por ignorância e estupidez dos “editores” do seu tempo. Hoje pode-se estar a passar o mesmo, mas ao contrário: há tantos livros publicados que boas obras podem ficar para sempre ignoradas. São tantas-tantas, que mesmo que neste país houvesse uma crítica selecionadora das melhores edições se correria o risco de perdermos algumas. Ainda assim, convém dizê-lo, será melhor esta situação de se desconhecer uma obra por excesso de livros do que estes nunca chegarem a ser impressos.

E é aqui, neste ponto, que entra a suposta crítica e os blogues literários, que podem ter uma ação reguladora, palavra tão querida, nos tempos que correm, dos “editores” de economia. Ora a crítica, em minha opinião, não existe ou alinha sistematicamente pelo status quo. Pelo status quo das editoras e das cunhas, do academismo decadente mascarado muitas vezes de falsas irreverências, eternizando elites pseudo-intelectuais que vão ruminado no país e sabendo nós (quer dizer, sabendo eu, ou defendendo eu) que é precisamente a falta de elites dinâmicas que tem afundado a nossa cultura e todo o país. Essa suposta crítica tem transformado a literatura no que não é, ou não deveria ser: uma coisa chata e aborrecida que não serve para nada. O que tem salvo isto são os blogues. Digo-o não por estar a escrever para um blogue mas porque o creio. Se bem que muitos e diferentes entre si, os blogues, e as comunidades de leitores, é justo dizê-lo, têm conseguido, de alguma forma, divulgar muita da nova literatura. Fazem-no despretensiosamente, e ainda bem. Nem todos, mas a maioria, também o faz longe dos interesses económicos das grandes editoras.  

É claro que a distinção do que é boa e má literatura é discutível e tem feito correr rios de palavras. Tal como o papel dos escritores. Esses eram os temas que pensava abordar quando me pus a escrevinhar este texto, e são prévios às considerações que fiz. Porém a palavra-puxa-palavra levou-me a outro sítio, que é vizinho próximo destes, e acabei por pôr a carroça à frente dos bois, (ah, como é bom escrever para pôr carroças à frente de bois) e essa discussão terá de ficar para outro dia, que hoje é domingo, dia da ansiedadezinha do término do fim-de-semana e pouco dado a grandes especulações, e a conversa já vai longa. 

Todavia que não fiquem confusões sobre o que penso a esse respeito: os escritores não podem ser o silêncio dos bons, não podem ser exímios técnicos sem conteúdo; porque a literatura é a arte que mais apela à reflexão e ao descobrimento – interior e exterior – do seu consumidor, o escritor não é aquele que apenas escreve bem. Se o for, isso será transformar a literatura num caldinho bem confecionado, mas insonso, que não faz bem nem mal (e é isso que o poder quer, assim escusa-se a fazer fogueiras de livros, o que dá sempre mau aspeto e é pouco moderno). O escritor é o que dá trabalho ao leitor; a “boa” literatura a que embaraça, inquieta, emociona.  

Fernando Évora

2 comentários:

  1. Nem sei quantificar o quanto adorei o No País das Porcas Saras, que em boa hora ganhei num passatempo e me permitiu uma estreia com o autor! Está ali maravilhoso na minha estante para de vez em quando reler e ficar sempre na dúvida se deva rir ou chorar pois os "retratos" nele incluídos são algo de notável.....
    Teresa Carvalho

    ResponderEliminar
  2. Toca a fazer um comentário menina Teresa para postar no blogue!!!! Bjinho

    ResponderEliminar