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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Escolha do Jorge: "A Violação das Mulas"

“A Violação das Mulas” de Maria O. foi uma das primeiras apostas da Eucleia Editora em 2010. Este pequeno livro tem como pano de fundo uma pequena vila portuguesa, sem nome, podendo ser qualquer uma das muitas vilas por este país fora e apenas com cerca de dez personagens, Maria O. dá-nos uma ideia de como se articulam os cidadãos nos planos público e privado, não poupando ninguém no que respeita aos podres de cada um e de cada família, assim como no que respeita aos mecanismos de funcionamento do poder local na sua articulação com os cidadãos, não esquecendo as relações de conluio e de corrupção existentes a vários níveis.

Neste sentido, Maria O. parte da realidade do microcosmos sociopolítico deixando margem para o leitor extrapolar para a realidade a nível nacional com todas as suas vicissitudes anteriormente indicadas, mas com um pendor largamente implementado.

“A Violação das Mulas” apresenta-nos uma sociedade conservadora, mas completamente despudorada no que respeita a questões de natureza mais íntima em que os desejos e as concupiscências de cada um em particular são largamente explorados pelo voyeurismo de outros concluindo com a máxima “olha para aquilo que eu digo e não para aquilo que eu faço”.
Assim, Maria O. mostra-nos a sociedade como a verdadeira obra de arte através do artista plástico Quim Tiliano Zibeta que teve em mãos o desafio de criar uma escultura emblemática que fosse colocada numa das rotundas da vila “e assim nasceu “A Violação das Mulas”, a mais admirável, e também mais polémica, obra artística que a povoação alguma vez viu.” (p. 73)

Profundamente satírico e irónico, “A Violação das Mulas” é uma daqueles livros que traça o perfil do Portugal mesquinho e comezinho, falsamente conservador e moralista que não dispensa uma boa dose de enredos e coscuvilhice e uma ou outra tragédia à mistura ou não fosse o fado o género musical português por excelência.

Excerto:

“Vivi praticamente vinte anos sem saber dos meus pais biológicos mais do que os seus nomes e suas profissões. Nunca me senti muito interessado em saber mais do que isso; de resto o Deivid ficava incomodado de cada vez que eu tocava no assunto, por isso, eu evitava-o. Acontece que, depois de eu ter visto um daqueles vídeos caseiros, que encontrei num armário do meu pai enquanto ele dava uma das suas aulas de piano e eu procurava um qualquer filme com que pudesse entreter-me, a minha curiosidade, ao perceber que ali estavam Deivid, Quim e Possidónia, assim como uma outra mulher que eu desconhecia totalmente, aguçou-se de um modo para mim intolerável. Foi então que decidi pedir ao meu pai que me contasse tudo. Assim que soube que a minha mãe desaparecera sem deixar rasto, naquelas circunstâncias, enorme foi a minha vontade de a procurar; não é que desejasse iniciar uma relação de profundo amor com uma mulher que pouco me dizia; simplesmente, gostava de a conhecer, de a perceber melhor. Eu sabia que fora adotado, que o meu pai morrera e a minha mãe se evaporara, mas só agora me sentia verdadeiramente interessado pela sua existência. A partir de um dos vídeos, de uma cena em que o rosto de Possidónia se via particularmente bem, fiz uma fotografia bastante nítida do que era a minha mãe há vinte anos. Pensei que me fosse ajudar na sua busca.” (p. 61)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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