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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A Convidada Escolhe: “A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”

A Desobediente – Biografia de Maria Teresa Horta”, Patrícia Reis, 2024

Antes de tudo, Patrícia Reis adverte o/a leitor/a que “esta não é uma biografia imparcial” (p. 17) nem é “uma radiografia” (p. 17) e que lhe “foi muito difícil terminar esta biografia” (p. 13). Ligam biografada e biógrafa o facto de serem amigas, jornalistas e a tristeza e a solidão de Maria Teresa Horta, desde a morte do marido, não ter deixado de, até certo ponto, contaminar a feitura deste livro.

Cada uma das cinco partes de que é feito “A Desobediente” tem, a encimar os diferentes capítulos que as constituem, os nomes de cinco das muitas obras de Maria Teresa Horta: “Espelho Inicial”, “Estranhezas”, “Anunciações”, “Jardim de Inverno” e “Poesis”.

A primeira parte – “Espelho Inicial” – que se ocupa da infância, da adolescência, da sua paixão por Luís de Barros e das escolhas de Maria Teresa Horta até ao nascimento do seu único filho, é o período estruturante de todo o resto da sua vida. Fala da mãe, da avó Camila sua grande aliada, do pai, do sentimento de desamor, de solidão e abandono, a percepção dos preconceitos em relação às mulheres e a intrepidez que desde sempre assume na escrita. A sua personalidade nos meios onde se move tem a marca da luta pela liberdade que então não existia em Portugal. Apaixonada pela escrita, pela poesia e também pelo cinema, para além de sócia de um cineclube, faz parte da direcção do cineclube ABC o que era inédito na altura. A censura, as intervenções da PIDE e o ódio visceral de Moreira Baptista secretário da Informação por Maria Teresa Horta são episódios num país que nega direitos básicos, que vicia as eleições e que manda assassinar Humberto Delgado, para além de torturar todos os que se opunham ao regime. No entanto, é também nesta altura que ela começa a entrar em contacto com escritores e a receber apoios e incentivos dos seus pares.

Minha Senhora de Mim” foi uma pedra no charco na literatura feita até então por mulheres e de tal forma incomodou o poder, que a violenta agressão feita a Maria Teresa Horta por um grupo de legionários, iria motivar a criação de “Novas Cartas Portuguesas”. Jornalistas e também amigas de Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno decidem ao longo de nove meses escrever uma obra ímpar que vai abalar concepções sobre as mulheres, sobre a política e até sobre a própria criação literária. Uma sociedade podre e cheia de contradições não podia ficar indiferente àquela obra que é apreendida ao fim de três dias de ter sido publicada. Natália Correia, Maria Lamas, José Gomes Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues e tantos outros, para além de todos os apoios internacionais com destaque para Simone de Beauvoir e Marguerite Duras vão ser alguns dos nomes que acompanharam a onda de extraordinária solidariedade para com as três escritoras e que ficou conhecido como o processo das Três Marias que terminou com a sua absolvição no dia 7 de Maio de 1974.

A revolução aconteceu, mas as contradições criadas com as reivindicações das mulheres e com as reivindicações feministas não deixaram de existir por uma revolução democrática ter acontecido. Havia no Portugal acabado de chegar à democracia muita incompreensão e insensibilidade sobre as reivindicações específicas das mulheres, nomeadamente a questão do aborto, um tabú, a par de tudo o que tivesse a ver com os corpos das mulheres. Tema tão caro a Maria Teresa Horta, mulher assumidamente feminista, e que está no coração da sua poesia, desde sempre. Aliás, e como a biografia sobre Maria Teresa Horta abundantemente refere, nem o 25 de Abril trouxe maior visibilidade à obra da poetisa, nem lhe granjeou grande popularidade. Ser feminista não traz popularidade nem simpatia, mesmo no seio da esquerda. E então quanto à direita, nem se fala.

Se a obra de Maria Teresa Horta está largamente divulgada, traduzida e estudada em todo o mundo, nomeadamente “Novas Cartas Portuguesas”, com destaque no Brasil, os prémios e o reconhecimento em Portugal vieram, embora tardiamente. A quarta parte da biografia dá destaque a algumas das suas obras e ao romance “As Luzes de Leonor – A Marquesa de Alorna, uma sedutora de anjos, poetas e heróis”, a que dedicou treze anos de intenso trabalho, uma verdadeira “devoção”, em que “Leonor e Teresa se confundem”. (pág. 357) Insubmissa, desobediente, coerente, Maria Teresa Horta recusa receber o prémio D. Dinis da Fundação Casa de Mateus das mãos do então primeiro-ministro Passos Coelho (2011).

A última parte da biografia começa com a morte inesperada de Luís de Barros, poucos meses antes da pandemia. A perda e a solidão são imensas, depois de uma vida de paixão intensa pelo marido ao longo de 56 anos. Maria Teresa Horta sabe que a salvação está na poesia e decide dedicar mais um livro ao marido, desta vez com o título “Paixão”. Embora mais limitada ao espaço da casa, continua sempre a escrever e sempre atenta ao mundo e à política. Mesmo a terminar a biografia, transcrevo este período que é significativo sobre esta mulher extraordinária: “O modo como está o mundo também te diz muito sobre o modo como está a vida das mulheres. Imagine-se as mulheres da Ucrânia, as atrocidades que sofrem, os devaneios pelos quais têm passado. As notícias são importantes por isso, para conseguirmos medir a pulsação das coisas”. (pág. 404)

É sempre com muito respeito e humildade que escrevo sobre livros que li e que me merecem consideração para fazer uma apreciação, como registo que gosto de partilhar. Este livro, entre outros, é um deles. Antes do mais pela consideração que me merece uma mulher feminista que toda a vida assumiu a liberdade e que nunca virou costas às dificuldades e às suas convicções mais profundas, numa postura de coragem e de coerência num mundo tão adverso à frontalidade e ao feminismo. E claro, também pela coragem da autora e pelo trabalho de grande fôlego e valor que é o de biografar uma mulher com uma vida tão rica e tão inspiradora. Parabéns. Muito obrigada às duas.


22 de Agosto de 2024

Almerinda Bento




3 comentários:

  1. Uma biografia, certamente, interessante para conhecermos mais a fundo a vida de Maria Teresa Horta.

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  2. Adorei ler!
    Não era grande fã da Maria Teresa Horta, mas com a leitura deste livro fiquei a admirá-la bastante. Gostei muito.
    Bom dia:))

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