Maria Antonieta, Stefan Zweig, 1932
Quando há um ano li “Maria Stuart” decidi que queria ler “Maria Antonieta” uma das diversas biografias que o incansável Stefan Zweig escreveu ao longo da vida. Tal como “Maria Stuart”, “Maria Antonieta” é o resultado de um profundo trabalho de pesquisa, aliado a uma escrita irrepreensível e a uma reflexão pessoal sobre a personagem, a história e todo o ambiente na Europa e na corte francesa nos finais do século XVIII. Esta edição do Círculo de Leitores foi traduzida por Alice Ogando, tal como acontecera na biografia de “Maria Stuart”.
Maria Antonieta é uma personagem trágica, usada na infância como moeda para alianças entre famílias reais através de um casamento de conveniência, sem possibilidade de brincar e crescer num ambiente que não fosse regido pela etiqueta e pelas intrigas, fascinada pelo papel que lhe é atribuído, apesar de nem ela nem o jovem marido Luís XVI estarem à altura desse papel – ele mole e indeciso, ela fútil e superficial. São vinte anos de vida estouvada, com gastos exorbitantes e sem limites que geram uma reviravolta na atitude do povo que deixa de lhe ter o respeito e a estima que antes tivera, para a odiar, caluniar e desprezar. Quando o povo desperta, já é tarde demais para a rainha e para a os nobres que viviam na órbita desta jovem rainha que nuca quis ouvir os conselhos da sua mãe Maria Teresa, a imperatriz da Áustria. Aliás, ninguém tinha a noção da amplitude da revolta popular, uma verdadeira revolução. A rainha fica sozinha, todos os amigos desaparecem, excepto Hans Axel von Fersen, o único que tudo fez até ao fim para tentar salvá-la da justiça popular. Após a tomada da Bastilha a 14 de Julho, os acontecimentos precipitam-se e a roda da História nunca mais sorrirá a Luís XVI e a Maria Antonieta. Acaba Trianon, o palácio da evasão e da futilidade da rainha, a última noite em Versailles será a 5 de Outubro, para nunca mais voltarem. Numa viagem de seis horas para Paris, seguidos pela multidão em fúria, vão ficar presos nas Tulherias, desabitadas há mais de cem anos, desde os tempos de Luis XIV. A tentativa de fuga para Varennes, a constituição da Comuna a 10 de Agosto de 1792, o aprisionamento dos reis no Templo e a abolição da realeza com a decapitação do rei são a sequência de um momento histórico decisivo para a França e com reflexos na Europa. Maria Antonieta está completamente só, “todos a abandonaram” (pág. 370); inclusivamente, o imperador Francisco, sobrinho de Maria Antonieta não mexe uma palha para a ajudar. Só mesmo o embaixador Mercy e Fersen, tentam, no exterior, impedir que Maria Antonieta suba ao cadafalso. Mesmo na Conciergerie “a antecâmara da morte” (pág. 399), onde os carcereiros estabelecem relações de simpatia e amizade com a presa, o medo das represálias da Comuna e da Junta de Salvação Pública falam mais forte.
A mudança na vida de Maria Antonieta operou uma transformação radical na sua atitude e é essa capacidade da escrita que torna este livro tão extraordinário e a personagem de Maria Antonieta tão dramática. “Desde a tomada da Bastilha até ao cadafalso, não cessa de se sentir completamente senhora dos seus direitos” (pág. 211) e, tal como me surpreendeu a descrição da morte de Maria Stuart, nesta biografia, a fibra de uma mulher que quis morrer com dignidade sem dar quaisquer trunfos aos que a acossaram e traíram e aos que a julgaram, mesmo sem terem documentos comprovativos, torna as últimas páginas deste livro verdadeiramente inesquecíveis. “ «Quando te resolves a ser quem és?», escrevia-lhe vinte anos antes, Maria Teresa, desesperada. Agora, a dois passos da morte, começa a encontrar em si mesma essa grandeza que só possuía exteriormente. Quando lhe perguntaram o seu nome, responde em voz alta e clara: «Maria Antonieta de Áustria Lorena, trinta e oito anos, viúva do rei de França.»” (pág. 417) Como num filme, Stefan Zweig é exímio na descrição da atitude e dos sentimentos da rainha e na descrição de toda a envolvência no percurso desde a cela na Conciergerie até ao cadafalso na Praça da Revolução, hoje Praça da Concórdia.
18 de Agosto de 2023
Almerinda Bento
Nota: Ao ler este livro sobre a rainha Maria Antonieta, não pude deixar de me lembrar da minha leitura de “As Luzes de Leonor” de Maria Teresa Horta. Lembro-me que D. Leonor de Almeida Portugal, 4ª Marquesa de Alorna estava em França, em Marselha e que partiu para Paris, porque queria viver de perto a revolução francesa que a fascina e atemoriza, porque a questiona sobre o mundo em que sempre viveu. Vai conhecer mulheres fascinantes, mulheres do povo que falam em liberdade e igualdade, em direitos. São tempos de grandes questionamentos, mas que a atraem imenso e nessa altura conhece Olympe de Gouges.
Leonor associa Paris à Roma incendiada por Nero. Sente-se deslocada entre os revolucionários e as amazonas, mas não quer partir. As mulheres encabeçam o cerco a Versalhes. Leonor não toma posição sobre a revolução e considera que nada será como dantes; é uma mera testemunha e regressa a Marselha.
Pelo que foi escrito, fiquei com muita vontade de ler este livro.
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