Por quanto tempo mais vou deixar nas estantes livros que merecem a minha leitura? Fui ficando sem palavras durante a leitura desta obra! Quando a terminei, sem palavras continuei.
Que leitura brutal, que escrita crua sem pejo nem medos de chamar pelos nomes o que de mau acontece quando uma pessoa é estuprada! Sim, estuprada. Há no som desta palavra algo que nos faz encolher e apertar as nossas entranhas. Estupro, palavra que o dicionário diz significar "acto de forçar alguém a ter relações sexuais contra a sua vontade por meio de violência ou ameaça". Quando essa violação tem rosto porque as palavras são muito visuais, quando essa violência física é descrita cruamente, o leitor sente-se terrivelmente perturbado. Foi o que senti com esta leitura e possivelmente irá acontecer a quem a ler.
A personagem principal é a narradora, embora a narradora não seja a autora. Escreve com o primeiro intuito de dar a conhecer futurmente aos filhos gémeos, que possuem apenas 3 anos, o que lhe aconteceu. Porém, com o decorrer da narrativa vai-se instalando nela a dúvida se isso seria o melhor para eles.
Esta obra foi lida para um clube de leitura cujo tema seria "Gelo e Fogo". Há gelo pior que aquele gelo interior que nos impede de viver? Que nos sufoca interiormente após um acontecimento traumático? Que nos acompanha para o resto da vida?
As vezes sem conta que a narradora foi chamada à esquadra da polícia para contar o sucedido e reconhecer possíveis suspeitos, as questões insistentes colocadas repetidamente pela polícia, a sua indecisão em acusar alguém injustamente, tudo nos remete para o caos em que ela viveu de uma forma perturbadora.
Tatiana Salem Levy refere, numa nota final do livro, que se baseou em factos reais que tiveram lugar no Rio de Janeiro em 2014. A violação aconteceu realmente a uma amiga muito próxima, que lhe contou o sucedido e a autorizou a escrever o romance, dando-lhe o consentimento, inclusive, de divulgar o seu nome.
Obrigatório ler.
Terminado em 4 de Janeiro de 2023
Estrelas: 6*
Simopse
Antes de uma reunião de trabalho, Júlia sai de tarde para correr e, enquanto sobe o trajeto para a Vista Chinesa, o famoso miradouro no parque natural da Tijuca, em plena cidade do Rio de Janeiro, desligada do mundo e de headphones nos ouvidos, um homem de mãos enluvadas surge repentinamente, encosta uma pistola na cabeça dela e arrasta-a para o meio da mata. Júlia é violada. Sobrevive. Anos depois, já mãe, recorda o horror vivido e as sequelas daquela terça-feira de 2014 — a dor, a raiva, o medo de acusar um inocente e a força redentora da vida que continua.
«A partir do momento em que começamos a ler, já não é possível parar. Uma poderosa celebração da vida. Pode pedir-se mais da literatura?» — José Eduardo Agualusa
Relato de uma história real de violação, Vista Chinesa é um romance perturbador, corajoso e necessário, que reflete sobre a violência ancestral contra a mulher e a transforma em grande literatura. Um livro que incomoda, de rara qualidade literária, e que foi recebido de forma entusiástica pela crítica.
Cris
Não conhecia. Uma leitura, sem dúvida, dura. A opinião despertou o meu interesse.
ResponderEliminarÉ muito bom!
EliminarObrigada pela opinião ☺️
ResponderEliminarBem interessante. Obrigada pela partilha!
ResponderEliminar.
Nas manhãs da simplicidade da vida.
.
Beijos
Boa tarde!