Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

quarta-feira, 16 de junho de 2021

A Convidada Escolhe: "Mulheres da Minha Alma"

Mulheres da Minha Alma, Isabel Allende, 2020

Depois de um livro que demorei quase um mês a ler, soube-me muito bem agarrar neste “Mulheres da minha Alma” de Isabel Allende. Li-o num ápice. Textos, a que não vou chamar capítulos, curtos, soltos, sem uma ordem definida, mas todos com um fio condutor: trazer à memória as mulheres que contribuíram para Isabel Allende ser feminista e lutar pelo feminismo. Ao ler estes textos senti-me positiva e com vontade que este livro chegasse às mãos de muitas mulheres que não são feministas e que acham que o feminismo é uma coisa do outro século, a mulheres que precisam de ler alguma coisa que lhes levante a auto-estima e já agora, também às feministas e aos feministas.

É uma reflexão e uma memória pessoal da escritora. Tem partes muito divertidas, outras mais sérias que fazem parte também da minha história de feminista não académica que viveu as lutas e as causas dos movimentos de mulheres em Portugal e também a nível internacional. A certa altura, Isabel Allende escreve “isto não é, de todo, uma dissertação elevada, é só uma conversa informal.” Aliás, ao lê-lo, lembrei-me daquele livrinho precioso de Chimamanda Ngozie Adichie “Todos devemos ser Feministas”.

Panchita, a mãe e Paula, a filha são as pessoas mais referidas ao longo do livro. E ela, a viver um terceiro casamento, falando constantemente dos seus 70 e muitos anos que lhe dão uma serenidade e um apaziguamento que lhe permitem olhar para trás, para os anos que se passaram e o que fez nos vários países onde viveu e por onde passou. E de todas as personagens dos seus muitos romances, Eliza Sommers de “Filha da Fortuna” com quem gostaria de jantar. Isabel Allende considera que o feminismo foi a revolução mais importante do século XX e percebe por que razão a mãe não conseguiu apanhar a onda do feminismo. A experiência pessoal de Isabel Allende, aliada aos contactos que teve com escritoras feministas e com os seus escritos, em finais dos anos 60, quando era colaboradora da revista “Paula” permitiram-lhe aprofundar a sua consciência feminista. 

A paleta de temas abordados ao longo do livro é extensa: os padrões de beleza e juventude impostos que destroem a auto-estima das mulheres; o sentimento de culpa que persegue as mulheres; o envelhecimento, a sexualidade ao longo da vida; a sexualidade não binária; o poder da linguagem e das palavras e a sua não neutralidade; o prazer e o risco que o prazer feminino é para as religiões e para as tradições, não esquecendo o flagelo da mutilação genital feminina ainda em tantos países e regiões do planeta, assim como os casamentos forçados de crianças e de meninas; a educação das meninas e dos meninos distribuindo papéis precisos e estereotipados a cada um dos géneros eterniza as discriminações de género; os femicídios, o expoente máximo da violência de género em todo o mundo, com destaque para o México (Ciudad Juarez) e República Democrática do Congo; os crimes de honra; o assédio; a não valorização das mulheres nas artes e mesmo actualmente em sectores de ponta e de grandes avanços tecnológicos (Silicon Valley, por exemplo) onde as mulheres são uma escassa minoria; a violação como arma de guerra e o medo como instrumento de controlo; as tarefas do cuidar não pagas e não reconhecidas, mas que, sendo imprescindíveis, continuam maioritariamente sobre os ombros das mulheres; a luta pela despenalização do aborto e o acesso aos direitos reprodutivos; a necessidade de as mulheres se juntarem e serem barreira ao machismo. Neste último ponto, Isabel Allende fala da importância do movimento global #MeToo que vem desocultar o grande tabu que é o assédio e nomeia a canção “Um violador no teu caminho” composta em 2019 por quatro jovens chilenas, um rastilho que juntou milhares de jovens em centenas de praças em todo o mundo. Para além da fundação que ela própria criou, dá outros exemplos de luta em contra corrente ao patriarcado, como por exemplo Olga Murray que criou uma instituição de resgate de meninas nepalesas vendidas como escravas. Como ela diz, estes exemplos podem ser considerados uma gota no oceano do muito que há a fazer no globo, mas as novas gerações estão mais equipadas do que a sua mãe Panchita, que nos anos 40 do século passado se viu sozinha, abandonada pelo marido no Peru e com três crianças para criar. 

Há muitas referências importantes neste livro de Isabel Allende, mas não posso deixar de aqui referir o destaque que dá a Michelle Bachelet “heroína digna de romance”, a primeira mulher presidente do Chile, que desempenhou um papel determinante não só nas prioridades que definiu visando a melhoria da situação da mulheres chilenas (combate à violência doméstica e distribuição da pílula do dia seguinte) como os esforços que desenvolveu para a reconciliação entre os militares e as vítimas da ditadura.  

A parte final do livro foi escrita em Março de 2020 e Isabel Allende, talvez por ser ainda no início da pandemia, tem uma visão optimista relativamente ao período pós-pandemia. Ela divide os humanos face à pandemia em pessimistas, realistas e optimistas. Diz ela: “Não podemos continuar numa civilização que se baseia no materialismo desenfreado, na cobiça e na violência. 

Este é um momento de reflexão. Que mundo queremos? Julgo que é essa a pergunta mais importante do nosso tempo, a pergunta que todas as mulheres e homens conscientes devem fazer-se…”

(…) “Queremos uma civilização inclusiva e igualitária, sem discriminação de género, raça, classe, idade ou qualquer outra classificação que nos separe. Queremos um mundo amável, onde imperem a paz, a empatia, a decência, a verdade e a compaixão. E, acima de tudo, queremos um mundo alegre. A isso aspiram as bruxas boas. O que desejamos não é uma fantasia, é um projecto; entre todas, podemos conseguir.

Quando o coronavírus passar, sairemos das nossas tocas e entraremos cautelosamente numa nova normalidade; então, a primeira coisa que faremos será abraçarmo-nos nas ruas. Que falta nos fez o contacto com as pessoas! Vamos celebrar cada encontro e cuidar amavelmente dos assuntos do coração.”

14 de Junho de 2021

Almerinda Bento



2 comentários: