Djamilia Pereira de Almeida
2018
A belíssima capa
deste livro, o título e uma sessão em qua Djaimilia Pereira de
Almeida falou sobre a sua obra foram os “ingredientes” que me
atraíram para comprar “Luanda Lisboa Paraíso”. A doçura da
voz e a riqueza do discurso da jovem autora angolana nesta sessão
moderada por Anabela Mota Ribeiro fui encontrá-las ao longo das
pouco mais de duzentas páginas do livro.
Um livro muito belo,
cheio de subtilezas, de figuras de estilo na sua prosa poética. Uma
história com vidas tristes, sofridas, com muitos silêncios ou com
palavras que não são ditas, onde a esperança e o sonho persistem,
mesmo quando a pobreza, a solidão e o desenraizamento são a marca
de que é feita a vida das personagens.
Cartola e Aquiles
partem de Luanda a caminho de Lisboa para um tratamento a um defeito
de nascença no calcanhar de Aquiles. Lisboa é a terra com que o pai
Cartola sonha, imaginada em livros, mapas e postais; para Aquiles, o
filho, é terra de salvação de um defeito que carregava, colado ao
nome e com o qual era alcunhado de “o coxo” ou o “Botinha”
entre os colegas da escola. Desde o início que tudo aponta que será
uma viagem só de ida o que é percepcionado por Glória, a mãe,
paralisada e esquecida numa cama, lembrando Samsa, o insecto de “A
Metamorfose” de Kafka. “Glória fechou os olhos, apertou a
camisa de noite contra o peito e disse em voz alta «até amanhã,
Papá» sem se permitir soltar uma lágrima, mas pressentindo também
que vira o marido pela última vez.”
Lisboa é afinal uma
terra onde pai e filho andam à deriva, sentindo-se estrangeiros,
perdidos. A fragilidade de Cartola “caminhava sem referências”
é sentida pelo filho que o acha mais pequeno, menos firme, mais
envelhecido. Pai e filho pouco comunicam, cada um encerrado no seu
mundo, frustrados os seus sonhos de um futuro melhor. Para Cartola,
perdido numa Lisboa estranha que o enjeitava, era no cemitério dos
Prazeres que encontrava o sítio onde se sentia entre iguais. Nas
cartas e nos telefonemas a Glória, Cartola fantasia em palavras os
sonhos que não consegue concretizar, são a idealização de um
sonho impossível. Em Luanda, a escassez, a pobreza e a guerra civil
são mascarados com palavras doces e pedidos simples que Glória faz
ao marido, projectando num futuro risonho as memórias de tempos
felizes quando eram jovens.
A Quinta do Paraíso,
a caminho de Caneças é a saída possível depois de uma história
de pagamentos em atraso e dívidas na pensão Covilhã. As viagens
diárias do bairro para a obra são as rotinas de Cartola para quem a
dureza do trabalho o faz sentir cada vez mais velho e onde Aquiles é
“o coxo da obra” ou “o preto coxo”. Paraíso, mas podia ser a
Jamaica, é o lugar onde diariamente se descansa o corpo depois da
jornada de trabalho dura na obra. As dores do corpo são mitigadas
por uma refeição melhorada quando ainda há dinheiro, ou por uma
conversa à volta duma fogueira, pautada por umas anedotas e
lembranças da terra longínqua, ou pela rifa do cabaz de Natal que
saiu a Cartola. O vizinho Pepe, o taberneiro galego vai ser a amizade
que vai nascer na relação entre duas solidões. E que se vai
reforçar quando ambos constróem a barraca que ardeu numa noite. A
construção da “nossa casinha”, como lhe chamam, passa a ser o
objectivo que vai dar sentido às suas vidas e motivar os mais novos
– Aquiles, Amândio e Iuri.
Achei este livro tão
lindo, tão dramático, tão sentido, para nos dar a entender melhor
a vida de tantos cidadãos imigrantes que um dia acreditaram num
paraíso em Portugal ou na Europa, que foram obrigados a fugir da
fome ou duma guerra civil sem sentido, que aqui vieram procurar
respostas para uma saúde que não dispõem nos seus países.
Com a força das
palavras que Djaimilia consegue manejar com tanta mestria e
sensibilidade.
9 de Fevereiro de
2019
Almerinda Bento
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