As Três Vidas, João Tordo, 2008
Um jovem escritor português ainda não lido, com uma obra já numerosa e a vontade de o conhecer.
Por onde começar? Pelas obras iniciais? Pela última? São sempre as perguntas que se nos colocam e quando abordamos amigos/as para que nos ajudem a escolher, muitas vezes as respostas ainda nos deixam mais confusos/as. Assim, segui o critério de uma obra que foi escolhida por um júri para receber um prémio literário. Neste caso, o prémio atribuído a um/a autor/a em língua portuguesa com idade inferior a 35 anos. João Tordo com apenas 33 anos recebeu, em 2009, pelo romance “As Três Vidas” o prémio literário José Saramago, aquele que foi o último em vida do Nobel português.
Depois de ler o grande romance “As Luzes de Leonor” de Maria Teresa Horta cuja leitura foi lenta porque não podia deixar de ser, “As Três Vidas” foi um verdadeiro antídoto. Leitura vertiginosa, viciante, o autor tem uma mestria narrativa que prende o/a leitor/a desde o início. Cria um narrador jovem à procura de um emprego que ajude a sua sobrevivência, da irmã e da mãe acabada de enviuvar, mesmo que isso seja um salto no escuro, como, aliás, ele logo dá a entender no seu diálogo com quem o lê. Deixando Lisboa a caminho do Alentejo, “parecera-me que entrara num mundo à parte, menos do que real, que por enquanto escapava à possibilidade de descrição”. Essa tensão e ambiente de mistério difícil de descrever, mas que se sente, não só pela reclusão e falta de comunicação com o exterior, mas pelas personagens que durante a semana habitam a Quinta do Tempo e pelos acontecimentos misteriosos que ali se passam, “havia alguma coisa naquele lugar que me obrigava a permanecer alerta, um silêncio demasiado silencioso, uma nuvem demasiado negra no céu.” Ao longo de “As Três Vidas” o narrador – cujo nome nunca saberemos – vai-nos prevenindo, pondo-nos de sobreaviso para problemas futuros. Há um adensar da expectativa que nos prende e não nos deixa ficar indiferentes.
Entretanto, mesmo com este pano de fundo que o assusta e que poderia tê-lo levado a fugir, a verdade é que à medida que o tempo passa, o narrador fica como que apanhado numa teia de que não se consegue libertar. O patrão vai-lhe dando livros, como que guiando-o num roteiro de leituras que ele escolhe; os netos do patrão que passam os fins de semana na quinta do avô, mas sobretudo Camila, atraída pela arte do funambulismo, vai exercer sobre ele um fascínio a que não consegue resistir; o confronto com acontecimentos funestos na Quinta que o vão envolver directamente, tudo isso se por um lado o prende à Quinta do Tempo e ao que lá se passa, por outro, afasta-o cada vez mais do contacto com a irmã e a mãe doente em Lisboa.
Fruto da arbitrariedade do destino ou da pressão dos acontecimentos a que não consegue fugir, o narrador vai nos anos seguintes viver um equilíbrio instável, como se estivesse continuamente na corda bamba em risco de se estatelar no abismo, perseguido pelos seus fantasmas, tentando esquecer o passado, mas sempre acossado por ele. A Quinta do Tempo está sempre lá, mesmo quando já lá não mora, quando vive sete anos em Nova York ou quando regressa a Lisboa e consegue trabalhar na Biblioteca Nacional ou na Torre do Tombo. A solidão, a fuga do passado, o receio dos fantasmas, a incerteza, o tentar esquecer. Mas será possível esquecer? Será possível que o crime não tenha castigo?
Quando vinte e cinco anos depois de deixar a Quinta do Tempo o narrador decide empreender a tarefa de relatar por escrito as memórias e a experiência traumática que foi a sua vida, ele encontra finalmente a forma de fazer a expiação desse passado. A literatura e a escrita surgem assim como formas de redenção, de expiação, de salvação. “Esta é também a minha história, a de alguém que, do fundo do anonimato, deseja deixar um testemunho e uma expiação…”
Ele deposita nos leitores esse testemunho para que finalmente possa iniciar uma outra etapa, a terceira vida.
25 de Outubro de 2018
Almerinda Bento
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