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quarta-feira, 12 de julho de 2017

"As Pessoas do Drama" de H. G. Cancela

H. G. Cancela igual a si próprio. Único.
      Nas primeiras 100 páginas quase nada acontece. Ou melhor, a acção decorre lentamente, tão lentamente que se se não se tratasse deste autor ter-me-ia passado pela cabeça intercalar com outro livro ou quiçá desistir. Esta impaciência fez-me refletir, um pouco, de como andamos neste mundo a correr porque nem por um segundo me passou pela cabeça que a escrita fosse difícil ou pouco rica. Antes pelo contrário. Cancela escreve muito bem, descrevendo o contexto pormenorizadamente e caracterizando as personagens de uma forma exímia. 
      Mas quem já leu "impunidade" sabe que o ambiente descrito é opressivo, quase sufocante. Como diz um amigo, asfixiante. Essa é a palavra certa para descrever a escrita única de Cancela. Aqui, neste livro, sucede o mesmo. Passadas as primeiras cem páginas sem que nos apercebamos (quase!) do MOTIVO pelo qual continuamos a lê-lo, quando damos por isso estamos agarrados às suas palavras, e, (agora sim!) à história do livro.
      O narrador, sendo ele próprio um personagem, é uma pessoa pacífica, pouco interventiva, limitando-se a descrever os acontecimentos sem, contudo, possuir uma forte participação na acção. Tanto, que às vezes apetece abaná-lo para que aja, que tome atitudes, que faça as coisas de uma determinada forma seja ela positiva como negativa.
      Este é um livro que não se devora, há que lê-lo lentamente, saboreá-lo devagar. A escrita de Cancela não cansa e degusta-se aos poucos. A história também, para que não se percam os pormenores. Não é uma leitura fácil, que nos acompanhe a uma ida à praia, é sim algo de pesado, excêntrico, onde os personagens são desnudados até ao limite do possível. Uma escrita única. Passível de nos acompanhar muito tempo depois de finda a leitura. Mas às vezes, incompreensível também. Pelo menos para mim. O final é tremendo. Obriga-nos a repensar, a colocar hipóteses e voltar a trás, mentalmente, para revisitar os lugares da história.
      Como pano de fundo o palco, o Teatro. Da vida. 
      Depois da última página, fechem o livro. Preparem-se para um murro no estômago e para rever a história mentalmente. Muito bom. Só para quem goste de emoções muito fortes!

Terminado em 9 de Julho de 2017

Estrelas: 5*

Sinopse
«À minha frente, um muro. Uma faca nas costas. Eu sentia-lhe a lâmina, seca como uma luz que apenas projectasse sombra. Entre o muro e a lâmina não havia nada. Vontade, medo, expectativa, nada. Eu teria perguntado, se soubesse a pergunta, teria respondido, se houvesse resposta. Não, em ambos os casos. Não a quem perguntar, não a quem responder, não a quem acusar, eu próprio mergulhado nessa mistura de solidão e de miséria sexual de onde emergem arte, crime e religião, todos obrigados a cavar o vazio que depois se esforçam por preencher ou por dissimular. Eu duvidava, no entanto, que dos dois lados da faca o vazio fosse compatível com aquilo que o pretendia preencher. Voltei-me devagar.»

Cris

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