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terça-feira, 21 de junho de 2016

A Convidada Escolhe: A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te

"A Ridícula Ideia de não voltar a ver-te", Rosa Montero, 2013
Um dos livros que comprei nesta Feira do Livro e o terceiro que leio desta autora madrilena nascida no mesmo ano em que nasci e por quem tenho muita empatia. A leitura de "A Ridícula Ideia de não voltar a ver-te" que é um livro fascinante e comovente reforçou essa proximidade afectiva e ideológica com Rosa Montero. Um daqueles livros que nos ajudam a reforçar a convicção da indispensabilidade da luta feminista qundo se anseia por um mundo mais justo e melhor para todos.
Logo no início, ela alerta que "este não é um livro sobre a morte". Em minha opinião é um livro sobre a forma de enfrentar o luto por uma morte de alguém muito querido, um exercício de superação das limitações da vida que só a arte e a literatura têm a capacidade de fazer. Ela cita Fernando Pessoa "A literatura, como a arte em geral, é a demonstração de que a vida não basta."
A vida literária e não só, está cheia de coincidências, um dos vários hashtags para que Rosa Montero nos remete ao longo do livro; foi no processo da doença de Pablo, marido de Rosa Montero, que lhe chegou às mãos o diário que Marie Curie escreveu ao longo do ano que se seguiu ao falecimento repentino de Pierre Curie. Assim, o centro desta obra de Rosa Montero é a personalidade extraordinária de Marie Curie (1867-1934). Rosa chama-a de "Mutante". Ela foi uma pioneira absoluta: a única mulher que recebeu dois prémios Nobel em áreas diferentes (Física e Química), a única mulher no Panteão dos Homens Ilustres em Paris, a primeira mulher a licenciar-se em Ciências na Sorbonne, a primeira mulher a doutorar-se em Ciências em França, a primeira mulher a leccionar na Sorbonne… uma polaca que lutou de forma ímpar contra inúmeras adversidades – dificuldades económicas, inveja da comunidade científica, estranheza da sociedade pelo seu pioneirismo, conciliação da intensa vida profissional e familiar, problemas de saúde, verdadeiro linchamento público pelo seu relacionamento com Paul Langevin – nunca aceitando assumir o papel de vítima, antes rompendo e fazendo um caminho impressionante numa "época em que às mulheres quase nada era permitido". Talvez por temperamento, certamente pela personalidade tenaz e pela sua postura face à vida e à sociedade, há em Marie Curie um desdenhar da sua feminilidade, pelo que nunca quis dar parte de fraca nem mesmo quando passava mal durante os períodos de gravidez, nunca fez referência aos problemas que teve de enfrentar por ser uma pioneira e única num mundo de homens nomeadamente quando foi candidata e quando recebeu o prémio Nobel, nem nunca associou os seus problemas de saúde e do marido aos trabalhos de investigação e de produção de rádio e de polónio. Quando o talento das mulheres tinha de ser escondido atrás de nomes masculinos ou elas tinham de se travestir de homens, sendo dados vários exemplos e até o caso da papisa Joana, e quando até ao século XX as mulheres não tinham saídas profissionais para além de operárias ou damas de companhia, como aceitar a ambição de uma mulher a querer ascender ao conhecimento e ter uma carreira? Daí ter sido alvo de campanhas sujas e ferozes contra ela, por inveja, por preconceito, porque se a ambição é natural num homem é impensável que possa ser assumida por mulheres! A culpa sim, ou o apagamento! Mas ambição não; não é coisa de mulheres!
Rosa Montero aproveita para nomear algumas cientistas e investigadoras que foram pioneiras, que abriram caminhos para grandes descobertas contemporâneas – Lise Meitner, Rosalind Franklin, Henrietta Swan Leavitt ou Jocelyn Bell - que mais tarde foram alvo de reconhecimento através da entrega dos "Nobel" a homens que, ou usurparam o trabalho delas ou nem sequer as nomearam quando receberam os galardões. O contrário do que aconteceu aquando da atribuição do primeiro Prémio Nobel da Física para Pierre Curie e Henri Becquerel pela descoberta do polónio e do rádio, que Pierre se recusou a receber caso o nome de Marie não fosse incluído. Um caso muito bicudo para a época que acabou com a inclusão do nome de Marie, mas com a atribuição do valor em dinheiro apenas aos dois homens, como se Marie não contasse! Coube a Pierre subir ao palco e fazer o discurso de agradecimento, tendo aproveitado para atribuir a Marie Curie todo o mérito pela descoberta. O palco para ele; o apagamento dela, sentada no meio da audiência. Talvez por isso a relação de laureados com o Nobel até 2011 seja de 786 homens para 44 mulheres. Quantas terão sido preteridas, esquecidas, apagadas?
Por fim, este belo livro, fruto de um profundo trabalho de investigação e consulta de documentos sobre a vida e obra de Marie Curie, é valorizado com diversas fotografias de Marie Curie, do marido Pierre Curie, das filhas Irène e Ève e também de outras personagens e lugares que Rosa Montero convoca ao longo da obra. Encerra com o diário de Marie Curie, um sentido e sofrido testemunho da ainda jovem cientista entre Abril de 1906 a Abril de 1907, de onde é retirada a frase escolhida por Rosa Montero para título deste livro.

Almerinda Bento

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