"Recomeçar" de Maria Duenãs não é só uma história de perdas e de recomeços, são, na verdade, várias histórias de vida que se entrecruzam e se distribuem por várias décadas, tanto em Espanha como nos EUA, estando bem presentes a queda da monarquia em Espanha, a guerra civil e a segunda guerra mundial. Contudo, são três as personagens principais que nos vão sendo reveladas pela narradora espanhola Blanca. Ela própria, 45 anos, mãe de dois filhos, professora universitária, 25 anos dedicados a construir um casamento durante o qual foram prioridades a carreira do marido e a criação dos filhos, ficando a sua carreira relegada para segundo plano, o que acontece ainda a muitas mulheres. Quando finalmente tinha um currículo invejável e a vida parecia estável, viu-se preterida por uma jovem mulher «…como é frágil aquilo que se pensa permanente», pensou e resolveu fugir. Aceitou uma bolsa para um lugar de investigadora visitante, numa universidade em Santa Cecília na Califórnia. O objetivo consistia na classificação do legado de um antigo membro do corpo docente falecido há décadas atrás, Andrés Fontana, que se encontrava amontoado numa cave em condições caóticas. A tarefa que a princípio lhe pareceu desinteressante, transformou-se num desafio aliciante depois de ver a fotografia do professor numa sala de reuniões que lhe transmitiu a ideia de que todos aqueles escritos tinham algo de humano e uma alma por trás. Andrés Fontana era natural de uma pequena aldeia muito pobre de Espanha. O seu pai era mineiro e foi graças à vontade da patroa de sua mãe que estudou em Madrid e mais tarde, devido ao seu bom aproveitamento, que lhe surgiu a oportunidade de uma bolsa nos EUA. A guerra civil que transformou totalmente o seu país tirou-lhe a vontade de voltar à pátria. Dedicou-se ao ensino da língua e literatura espanholas. Começou a gostar da Califórnia e da sua história, interessou-se em particular pelo percurso dos frades franciscanos que começaram a sua exploração e colonização e pelas missões que fundaram, o que consistia uma verdadeira herança de Espanha. No espólio de Fontana havia imensas referências a este assunto.
A história de Daniel Carter surge então. Aluno e amigo de Fontana, agora figura proeminente dos meios universitários Californianos, visitou Espanha pela primeira vez a conselho deste, para fazer investigações para uma tese. Ao leitor é então apresentada a Espanha que encontrou, «lenta, atrasada e assombrosamente pitoresca perante o olhar de um estudante norte-americano». São abissais as diferenças não só de costumes mas também económicas entre uma Espanha saída de duas guerras e uns EU no apogeu e opulência do fim da 2ª guerra mundial. Os detalhes da sua vivência, incluindo o seu casamento com uma espanhola são muito interessantes.
Blanca começa a conviver com Carter, que se encontra temporariamente em Santa Cecília, e este mostra um grande interesse no seu trabalho. É nos últimos capítulos que Blanca descobre que o interesse de Carter se deve a ser ele o verdadeiro responsável pela atribuição da sua bolsa. O seu objetivo era descobrir nos escritos de Fontana algum documento que provasse a existência de uma Missão espanhola em Santa Cecília, mais propriamente num extenso espaço arborizado, com grande pinhal a perder de vista, local sereno, inspirador de paz, reconfortante, ligado às famílias, às crianças e aos piqueniques. Este parque aprazível estava prestes a transformar-se num grande centro comercial. Uma plataforma de cidadãos tentava encontrar uma base legal que travasse a eliminação daquele belo local de que Fontana tanto gostava, o que no entender de Carter só seria conseguido se se provasse que era um lugar histórico. O livro tem finais felizes. O tal documento é encontrado quase no último dia da estada de Blanca na Califórnia, o processo do Centro Comercial é embargado e Blanca acaba por perdoar Carter pelo caminho enviesado que utilizara para a contratar e por tudo o que lhe escondera. Ele irá ter com ela a Espanha.
Gostei muito deste livro que é, sem dúvida, muito mais do que descrevi. Apesar da narrativa ter imensos saltos no tempo e na vida das personagens, das quais mostra bem os seus sentimentos e emoções é muito bem construído o que torna a leitura agradável e entusiasmante.
Maria Fernanda Pinto
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