Mais um excelente livro de um escritor português, sendo este o seu primeiro romance.
Sendo uma história ficcionada, ela contem elementos que resultam de um trabalho cuidado de investigação histórica com especial enfoque no período do ascenso de Hitler na Alemanha e todo o período posterior que culminou na segunda guerra mundial e na perseguição impiedosa aos judeus na Polónia.
A narradora – Kimberly Parker – está a dar por encerrada a tarefa que se propôs de contar a sua história, agora que já tem mais de setenta anos e sente que está a viver a parte final da sua vida. Vai contá-la a partir do momento em que se candidatara nos finais dos anos 60 a professora de literatura numa exigente universidade americana destinada à elite e à classe dominante dos Estados Unidos. A sua juventude e determinação em romper com uma postura imobilista e conservadora da sociedade são factores que concorreram para que Sarah Gross, a directora da universidade, a escolhesse para o cargo, sabendo de antemão as enormes dificuldades que se iriam colocar para alterar uma instituição poderosa e eivada de preconceitos e tradições.
Mas a história de vida de Kimberly vai estar intimamente ligada à vida de Sarah, pelo que a estrutura narrativa do romance vai decorrer alternadamente na América de finais dos anos 60 e na Polónia do período anterior e posterior à invasão da Alemanha nazi e à perseguição dos judeus polacos. Ao mesmo tempo em que se estabelece uma relação de empatia e cumplicidade desde o início entre as duas, há um crescendo de dramatismo, algo que se pressente e que as põe num mesmo plano de vulnerabilidade, enquanto personagens em fuga de um pesadelo que as levou a tentar encontrar o refúgio naquele colégio.
O medo está latente, insinua-se na reclusão voluntária das duas mulheres, tal como o medo se começava a instalar no quotidiano dos judeus que viam uma aversão que se ia espalhando e generalizando à sua volta no início dos anos trinta e que Sarah transparecia nas cartas que escrevia aos pais enquanto estudante na Universidade de Göttingen na Alemanha. A ameaça racista contra um aluno negro na universidade; a ameaça racista generalizada contra todo um povo; a ameaça psicológica de um predador obsessivo; a ameaça dos fantasmas do passado que não se conseguem esquecer nem apagar.
O medo é de tal forma paralisante e dominador que leva a que as vítimas se transformem em seres invisíveis, que fiquem sem voz, incapazes de reagir e de se rebelar. Isto é tanto mais verdade e incompreensível, mas aconteceu e levou ao extermínio de milhões de judeus, ciganos, homossexuais e acontece e leva ao silêncio e à vergonha de milhares de mulheres vítimas de violações e de violências de todo o tipo.
Enfrentar os pesadelos, sobreviver custe o que custar, fugir. Agarrar-se ao que for possível, nem que seja uma colher retorcida e ferrugenta, último sinal de que se consegue ser dono de algo mesmo quando nos querem privar de qualquer réstea de dignidade. E depois há perguntas para as quais não há respostas. Perguntas que já não podem ser respondidas e desafios para que a imaginação do/a leitor dê as respostas que quiser.
É um livro muito bem escrito, emocionante e envolvente. Sem querer desvalorizar a mestria da escrita de João Pinto Coelho, este romance lembrou-me a escrita de Richard Zimmler.
Almerinda Bento
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