Depois de "A Mulher Certa" este é o segundo livro que leio deste autor húngaro, exilado nos EUA, esquecido durante muitos anos e apagado pelo poder político e pelas autoridades húngaras durante o período que antecedeu o colapso dos países dominados pela ex-URSS com a queda do Muro de Berlim.
Em "As Velas ardem até ao Fim" considerado por muitos, o melhor livro deste autor, persiste o mesmo estilo, a semelhança dos temas, a misantropia e o pessimismo que dominam as personagens que retrata de forma tão profunda e completa.
Dois jovens – Henrik e Konrád – de estratos sociais diferentes frequentam o mesmo colégio militar em Viena para seguirem a rígida vida militar cheia de regras, de códigos e disciplina férrea e em que a honra é um valor supremo, acima de todos. A sua relação desde o início estabelece um vínculo de grande cumplicidade, como se de irmãos se tratasse, apesar das diferenças sociais e também de temperamento e de interesses do ponto de vista dos relacionamentos sociais, o que não impede essa profunda amizade. Mas, abruptamente, ao fim de mais de vinte anos de relacionamento e convívio diários, um deles – Konrád – afasta-se e vai viver para muito longe.
Quarenta e um anos depois, Konrád regressa ao palácio do general, exactamente à mesma sala onde tinham estado a conversar e a jantar antes do afastamento inesperado como se, entretanto os anos não tivessem passado. Há algo de teatral em todo o texto, no cuidado posto nos mais pequenos detalhes neste reencontro: a refeição que é servida, as flores nas jarras, a lareira acesa, a posição dos cadeirões, os retratos nas paredes, as velas acesas em cima da mesa.
Passados quarenta e um anos de ausência, da fuga do amigo, para o general aquela era a noite há muito esperada, a noite para se saber a verdade e o essencial. Era a noite do ajuste de contas entre os dois amigos de infância. A noite para colocar perguntas, mas da maneira certa, agora que é preciso esclarecer e compreender o verdadeiro sentido da amizade. Mas será que é possível, mesmo com as perguntas certas, descobrir-se o que move os nossos semelhantes, as suas intenções, os seus desejos? É a grande pergunta que fica a pairar no nosso espírito chegada que é a última página de "As Velas ardem até ao Fim".
A estrutura deste romance leva-nos a "entrar" na cabeça do velho general, através do longo monólogo que constitui a maior parte dos capítulos do livro e das raras e curtas respostas do amigo. Uma conversa que vai durar o tempo que as velas que mal alumiam a sala o permitem e que vão arder até se extinguirem.
É uma longa reflexão sobre a amizade, o amor, a traição, o ciúme, a cobardia, a solidão. Um retrato daquilo a que se costuma chamar da condição humana com as suas fragilidades e grandezas. Extremamente bem construído, com um vocabulário riquíssimo que nos permite acompanhar os ambientes, os sentimentos e o pensamento de quem fala, este romance é, de facto, um livro exemplar e que prende o/a leitor/a desde que se inicia a sua leitura.
Almerinda Bento
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