Este é um livro de "interrogações e dúvidas sobre o que nos espera". É uma longa reflexão sobre a morte e sobre a passagem do ser para o não ser. Sendo que um dia um doutor detectou através de pesagens que há uma diferença de 21 gramas entre o peso de uma pessoa antes e depois de morrer e que essa diferença apenas existe nos seres humanos, diz-se que esse é o peso da alma: 21 gramas. Este é o título do segundo de entre os seis cadernos de que é feito o romance "Lugar caído no Crepúsculo".
O primeiro caderno e o epílogo têm como personagem central o falecido actor Tomás Mascarenhas, um homem amado pelo povo como figura pública que irá ter honras de luto nacional, após uma fulminante síncope cardíaca que o apanhou inesperadamente em plena hora de ponta na baixa lisboeta.
Os restantes quatro cadernos versam os quatro "lugares" para onde se encaminham as almas, consoante o percurso dos mortais que as habitaram enquanto vivos. O Limbo é porventura o caderno mais bem humorado de todos, aonde Erasmo Fernandes – o narrador – chega quando a sua vida acaba na Terra. O Limbo é uma coisa indefinida, uma sensaboria, um marasmo, uma modorra e é tal o desespero de quem por lá vegeta que há um movimento que se organiza e que o elege como porta-voz para que interceda junto a Deus para acabar com o sofrimento daquela modorra eterna e sem esperança. Mas o problema é que não há maneira de chegar ao inacessível Deus. Felizmente, há um papa alemão que decide abolir o Limbo por decreto papal… Todo este caderno é bem divertido, cheio de humor e ironia, em que a Igreja e os doutores eclesiásticos não são poupados.
No Purgatório, Albuquerque é designado pelo Criador como escriba para fazer o relato do que é o Purgatório e assim se redimir dos pecados terrenos. O Purgatório é uma "estação depurativa para a limpeza da nossa alma, quando encardida por pequenos e médios erros e pecados". Apesar dos milhões de almas que aí habitam, o silêncio é total; é um "não-lugar" da eternidade, sem qualquer interesse e o narrador Albuquerque queixa-se amargamente da tarefa que lhe foi incumbida. Também aqui há uma crítica impiedosa à Igreja, aos padres, aos seus vícios privados mascarados de públicas virtudes; aos médicos e à medicina que aproveita das maleitas dos doentes para ter poder e viver desafogadamente; até os taxistas que se aproveitam dos incautos clientes para fazer dinheiro desonestamente não são poupados. Muitas destas personagens vegetam no purgatório aguardando a redenção dos seus pequenos delitos para passar ao Paraíso. Albuquerque que tinha sido escritor e se nega a abjurar o que escreveu em vida será obrigado a viver eternamente no Purgatório, a pior coisa que lhe podia acontecer. "Alguns de vós sabereis que os livros, por bons ou maus que sejam, representam também «o caminho, a verdade e a vida» daquele que os escreveu".
No Paraíso, o narrador que conhecemos apenas pelas iniciais S.B., ao contrário do que pensava, foi levado por um anjo para o Paraíso, quando pensava que iria para o Inferno. Em vida tinha sido um homem rico, solitário, dado às artes e à literatura, proprietário de uma quinta e agnóstico e a conhecida frase dos Evangelhos "É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino dos Céus" levá-lo-ia a pensar que o seu fim seria o Inferno e não os céus. Também este narrador é feroz na crítica às igrejas, às religiões e aos seus cultos pela soberba e hipocrisia que caracteriza muitos dos seus responsáveis e representantes. No entanto, há por lá santos mártires quase todos anónimos, o papa português João XXI e João Paulo I, que morreu envenenado. Descobre também que a Literatura não é precisa no Paraíso e é com grande felicidade que enumera diversos encontros com "guerreiros românticos" como Che Guevara ou Salgueiro Maia, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Charlie Chaplin, Salvador Dalí, Miró, Fernando Pessoa, Kafka, Samuel Beckett, Pablo Neruda, Lorca, John Lennon, Elvis Presley, Mozart, Bethoven, Verdi, Wagner, Callas ou Amália, entre muitos outros. "Pintores, músicos, escritores, artistas, há-os em abundância no Paraíso."
Por fim, o Inferno é narrado por Fernão Lourenço, um ex-corretor da Bolsa de Lisboa, alguém que em vida nunca soubera nada do género humano. Entra na barca do Inferno do senhor (Gil) Vicente no Cais das Colunas e atravessa o rio em direcção à margem esquerda do rio. Chegado ao Inferno, descobre que é povoado por todo o tipo de malfeitores, de economistas e dos responsáveis da actual crise financeira mundial, de ditadores entre os quais um português, carcereiros, juízes, torturadores, os maiores egos do mundo e milhentos inquisidores do Santo Ofício. Como refere Fernão Lourenço "o Santo Ofício parecia fazer parte da história do Inferno" e quando se compara com a maior parte daqueles facínoras, considera que as suas maldades terrenas como corretor da Bolsa não são merecedoras de um castigo tão grande como é aquele terrível e eterno frio do Inferno gelado.
O epílogo retoma a personagem do actor Tomás Mascarenhas cuja alma acompanha e observa o funeral do seu corpo de que se soltou, desde o momento da morte até ao cemitério dos Prazeres.
Esta é uma reflexão por vezes divertida e bem disposta sobre a morte, um tema frequentemente tratado "com respeito" e até com pudor, pois é muito diversa a forma como cada um de nós encara o fim da jornada, de acordo com as suas convicções filosóficas. João de Melo quis dedicar este romance extraordinariamente bem escrito "À memória viva da minha Mãe. Na sua morte." É a homenagem de um homem agnóstico a uma mulher com profundas convicções religiosas.
Almerinda Bento
Ele escreve tão bem!!!
ResponderEliminarMuito bem, mesmo.
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