"Eva Luna", Isabel Allende, 1987
Para alguém que aprecia e já leu muitos livros desta autora, acrescido do facto de que "Eva Luna" era um livro que há muito me tinha sido aconselhado por uma pessoa cujas apreciações tenho em consideração, posso dizer que este livro de Isabel Allende é porventura um daqueles que menos apreciei.
Achei-o pouco consistente, ligeiro, com uma estrutura fluida e superficial e, embora tenha ainda para ler "Contos de Eva Luna", sequência natural de "Eva Luna", certamente muitos outros livros que aguardam a sua vez de ser lidos terão prioridade sobre ele.
Eva é uma contadora de histórias, tal como Isabel Allende. Sobrevive e vence as dificuldades de uma vida errante e cheia de peripécias pela sua capacidade de efabular. Aprendeu isso com a mãe – Consuelo – uma mulher silenciosa, invisível, que tinha um prazer especial pela leitura e que quando contava histórias fazia "verdadeira magia". Embora habitando um espaço limitado, restringido à casa, ela capta todo aquele mundo sensorial feito de cheiros e imagens e carregado de fantasia e magia. Eva vai ter diversas experiências, conhecer inúmeras personagens e vai levar essa "bagagem" para recriar histórias e para passar pelo mundo, muitas vezes alheada e à margem do que vai acontecendo. Para contextualizar na época as vivências de Eva Luna, a autora tem a preocupação de ir aludindo a momentos marcantes da história da humanidade a partir dos anos 30 do século passado: as referências à Europa da 2ª grande guerra, as viagens espaciais e a cadela Laica como protagonista dessa aventura humana, a revolução cubana, o Che, a primavera de Praga, o fim da guerra do Vietname… Há também uma crítica aos regimes ditatoriais dos velhos caudilhos, dos Benfeitores, dos Amos da Pátria, dos Presidentes Vitalícios, substituídos por "democracias". Quando o poder cai na rua, a oligarquia financeira rapidamente se restabelece e de novo assume o poder. Antigos delatores e carrascos rapidamente passam por uma reconversão e integram-se na sociedade. Entretanto, os povos das regiões remotas e isoladas – referência aos Andes – continuam fora da realidade e para eles nada de novo acontece e nenhumas mudanças efectivas ocorrem nas suas vidas. Isabel Allende mantém-se fiel à sua leitura crítica sobre o poder e sobre a evolução política das sociedades.
Alguns temas presentes neste livro de Isabel Allende, para além de uma sensualidade e erotismo em que a autora é mestra no uso das palavras, a sua abordagem da transexualidade, a propósito de uma das personagens com que Eva se relaciona. Também a sua relação com a guerrilha – Huberto Naranjo – e com um fotófrafo que filma os guerrilheiros – Rolf Carlé – é motivo para uma série de considerações sobre a postura dos revolucionários e guerrilheiros que sublimam qualquer dor e sofrimento em nome do ideal revolucionário, tornando-se como que máquinas. Como feminista assumida que é, as suas personagens femininas são também ensejo para considerações que lançam o foco sobre as diferentes discriminações a que as mulheres são sujeitas e, no caso das que abraçam a revolução, encaradas como subalternas, contribuindo para a luta, mas excluídas das decisões e do poder.
Embora esta seja, quanto a mim, uma obra menos interessante de Isabel Allende, acho que estes aspectos a que acima aludi são uma marca importante da escrita desta autora da América Latina.
Almerinda Bento
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