"Agosto" de Ruben da Fonseca, notável autor brasileiro com vários prémios entre eles o consagrado Prémio Camões, é considerado o seu livro mais famoso. Num estilo muito direto e servindo-se de uma pesquisa minuciosa, o escritor constrói uma narrativa ficcionada tendo como fundo os acontecimentos históricos que rodearam os últimos tempos de governo de Getúlio Vargas até ao seu suicídio. O assassinato de um empresário e tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda e consequentes investigações são os factos que têm grande relevância no livro já que desde logo existem indícios de que neles estarão implicadas pessoas fortemente ligadas ao governo, ao presidente ou a instituições governamentais, o que vem agravar mais a crise política do país. O livro retrata a luxúria, a violência, um mundo de marginais e de assassinos de aluguer, onde o jogo clandestino do bicho compra tudo e todos e onde a corrupção política impera. Os que não alinham são considerados loucos como é o caso do comissário Mattos, figura de ficção e elo de ligação com a narrativa histórica, incorruptível, que sendo muito crítico da falta de condições nas prisões e contra a opinião de seu colega Pádua, figura sem escrúpulos, tem por hábito não reter os presos de delitos que ele considera irrelevantes, a fim de não encher mais as celas. Este investigador é um depressivo, sofre de úlcera gástrica, não tem tempo para cuidar dos seus casos amorosos e não agradando nem a gregos nem a troianos acaba por ser assassinado por Chicão. Pádua desconhecendo que Mattos descobrira que fora Chicão o assassino do empresário acaba por erradamente acusar e matar um «bicheiro» pela morte do comissário, pois apesar das suas grandes diferenças com o colega respeitava-o pela sua honestidade.
São várias as personagens históricas mencionadas no livro para além do presidente Getúlio Vargas, família e ministros, entre elas o chefe da guarda pessoal do presidente, Gregório Fortunato, mandante da tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda já que está consciente de que o jornalista constitui uma ameaça. Outros membros dessa guarda estão também envolvidos.
Getúlio, já não o ditador do Estado Novo, mas agora velho e cansado numa chamada democracia, é acusado de tudo de mal que vai acontecendo no país, bem como sua família.
Carlos Lacerda, jornalista e grande orador, porta voz de uma forte oposição ao governo utiliza o atentado de que foi vítima e a morte de seu guarda-costas, o major da aeronáutica, Rubens Vaz, que tem uma percussão muito grande, como triunfo político, conseguindo assim a união das forças armadas contra o presidente Vargas.
No entanto, quando pressionado para se demitir Getúlio Vargas resolve suicidar-se há grandes tumultos e o povo revolta-se indignado com a sua morte.
A relação das personagens históricas com as de ficção tem como resultado uma trama bem conseguida plena de conspirações, suspense, acordos, negociatas, subornos e corrupção que prende ao longo dos seus 26 capítulos, e que decorre no Rio de Janeiro durante o mês de Agosto de 1954. Apesar de complexa realidade que foi a década de 50, Agosto é uma obra de fácil compreensão e que se lê como se de um romance policial se tratasse.
Maria Fernanda Pinto
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