Este pequeno livro de contos é a forma mais simples de conhecer a obra de Gao Xingjing, absorvendo, deste modo, o modo de pensar da China atual com os seus desafios, receios, angústias e solidão, não esquecendo por outro lado, que algumas das preocupações levantadas pelos personagens nestas pequenas histórias refletem também, no fundo, parte do nosso modo de vida.A angustiante tomada de consciência do homem face à solidão quando se está no meio de milhares ou mesmo milhões de pessoas e sentir-se impotente sem obter ajuda face a uma emergência; um acidente cuja vítima mortal é associada a um ato de suicídio bem conseguido; doces recordações do passado que moldaram a vida de algumas pessoas em tudo o que serve de referência na vivência quotidiana já não encontram qualquer correspondência no presente em virtude do falecimento de entes queridos; lugares da infância completamente descaracterizados face ao crescimento das cidades que engoliram as pequenas localidades de modo que essas recordações somente existem ao nível do intelecto; amores não vividos em virtude de cada uma das partes envolvidas se ter comprometido com o Estado como garantia da ordem social e económica do país.
Pensamentos que emergem ao longo dos vários contos que caracterizam toda uma sociedade, tanto entre as gerações mais novas, como entre os mais idosos e que, em ambas as situações, não vislumbram um grande futuro pela frente, nem tão-pouco a crença nas gerações vindouras são a garantia da obtenção de um futuro mais risonho.
Com uma escrita profundamente humanista, Gao Xingjian enlaça o leitor nas preocupações e anseios da sociedade chinesa contemporânea ficando certamente marcado com as histórias desejando, deste modo, conhecer outras obras do autor.
“Uma Cana de Pesca para o Meu Avô” é um pequeno livro que pela natureza dos temas abordados será certamente um livro que marcará o leitor perante a incerteza e angústia face ao futuro da sociedade e do mundo em que está inserido.
Excertos:
“É claro que eu sei que, na cidade, não são os peixes o que os pescadores querem quando compram uma licença de pesca no parque, é a tranquilidade e a ociosidade que eles pescam, aproveitam para fugir de casa, fugir da mulher e dos filhos e, muito tranquilamente, entregam-se à sua distração, é claro que também sei que a pesca é hoje considerada um desporto, que são organizados concursos (…).
(…) Tenho de ir dar um passeio à minha terra natal para matar as saudades que já não nos deixam quando nos agarram (…).
(…) A natureza humana é má, a maldade é mais forte do que a bondade, disseram-no os santos, os sábios e os filósofos de todas as épocas e de todos os países, mas tu inclinas-te ainda para a bondade do coração humano, uma vez saciados, os homens não podem espezinhar assim as tuas recordações de infância, porque também eles podem ter tido uma infância que vale a pena ser recordada, é uma verdade tão evidente como dois e dois não ser igual a três (…)” (pp. 68-69, 74-75)
Texto da autoria de Jorge Navarro
Gostei de ler a recensão . Obrigado
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