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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A Escolha do Jorge... Uma Cana de Pesca para o Meu Avô

Galardoado com o Prémio Nobel de Literatura em 2000, o chinês Gao Xingjian conta com dois títulos publicados em Portugal, a saber, o romance “A Montanha da Alma” e o livro de contos “Uma Cana de Pesca para o Meu Avô”, este último reeditado no final de 2013 contando já com a 11ª edição.
Este pequeno livro de contos é a forma mais simples de conhecer a obra de Gao Xingjing, absorvendo, deste modo, o modo de pensar da China atual com os seus desafios, receios, angústias e solidão, não esquecendo por outro lado, que algumas das preocupações levantadas pelos personagens nestas pequenas histórias refletem também, no fundo, parte do nosso modo de vida.
A angustiante tomada de consciência do homem face à solidão quando se está no meio de milhares ou mesmo milhões de pessoas e sentir-se impotente sem obter ajuda face a uma emergência; um acidente cuja vítima mortal é associada a um ato de suicídio bem conseguido; doces recordações do passado que moldaram a vida de algumas pessoas em tudo o que serve de referência na vivência quotidiana já não encontram qualquer correspondência no presente em virtude do falecimento de entes queridos; lugares da infância completamente descaracterizados face ao crescimento das cidades que engoliram as pequenas localidades de modo que essas recordações somente existem ao nível do intelecto; amores não vividos em virtude de cada uma das partes envolvidas se ter comprometido com o Estado como garantia da ordem social e económica do país.
Pensamentos que emergem ao longo dos vários contos que caracterizam toda uma sociedade, tanto entre as gerações mais novas, como entre os mais idosos e que, em ambas as situações, não vislumbram um grande futuro pela frente, nem tão-pouco a crença nas gerações vindouras são a garantia da obtenção de um futuro mais risonho.
Com uma escrita profundamente humanista, Gao Xingjian enlaça o leitor nas preocupações e anseios da sociedade chinesa contemporânea ficando certamente marcado com as histórias desejando, deste modo, conhecer outras obras do autor.
“Uma Cana de Pesca para o Meu Avô” é um pequeno livro que pela natureza dos temas abordados será certamente um livro que marcará o leitor perante a incerteza e angústia face ao futuro da sociedade e do mundo em que está inserido.

Excertos:
“É claro que eu sei que, na cidade, não são os peixes o que os pescadores querem quando compram uma licença de pesca no parque, é a tranquilidade e a ociosidade que eles pescam, aproveitam para fugir de casa, fugir da mulher e dos filhos e, muito tranquilamente, entregam-se à sua distração, é claro que também sei que a pesca é hoje considerada um desporto, que são organizados concursos (…).
(…) Tenho de ir dar um passeio à minha terra natal para matar as saudades que já não nos deixam quando nos agarram (…).
(…) A natureza humana é má, a maldade é mais forte do que a bondade, disseram-no os santos, os sábios e os filósofos de todas as épocas e de todos os países, mas tu inclinas-te ainda para a bondade do coração humano, uma vez saciados, os homens não podem espezinhar assim as tuas recordações de infância, porque também eles podem ter tido uma infância que vale a pena ser recordada, é uma verdade tão evidente como dois e dois não ser igual a três (…)” (pp. 68-69, 74-75)

Texto da autoria de Jorge Navarro

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