Um indivíduo já com alguma idade a quem lhe foi diagnosticada uma doença de origem cancerígena solicita ao seu único filho para que juntos possam visitar a sua terra natal, uma pequena ilha italiana do Adriático, quiçá onde passará os seus últimos dias de vida.
O facto de a terra natal ser uma pequena ilha, aquele espaço geográfico exerce um papel determinante na vida dos seus habitantes pressionando-os para procurarem o futuro fora dela, mas mantendo a ideia de que a ela deverão regressar no fim da vida como se tratasse de um regresso às origens, um regresso às mais antigas recordações de uma infância que partiu há muito e que conduzia à ideia de pertença a um pequeno mundo, a única realidade conhecida para si então.
Passear nos últimos dias de vida por este pequeno microcosmos resistenteàs grandes mutações do mundo lá fora, dá ao pai a ideia de uma (quase) imutabilidade das suas origens funcionando como um porto seguro, lugar perfeito onde acabar os seus dias.
Esta ideia de ligação à terra onde se nasceu e na companhia do filho, sangue do seu sangue, um ramo da sua vida que a ilha liga a ambos, conduz à ideia de missão cumprida eternizando, de alguma forma, esta dualidade terra-sangue, sinónimos de vida e morte que se renovam em cada geração.
Ao longo deste pequeno grande livro, é explorada igualmente a relação pai-filho que, regra geral, apesar dos laços afetivos e de sangue, trata-se de uma relação complexa em que muitas vezes o que não é dito ao longo da vida exerce um papel significativo no relacionamento dos indivíduos. A tomada de consciência da fragilidade do ser humano através de um corpo que está prestes a sucumbir torna-nos conscientes mais do que nunca de que a vida sendo fugaz só poderá sobreviver através das recordações formadas ao longo da vida em função desses mesmos laços.
“A Ilha” de Giani Stuparich mostra cada um de nós como uma ilha, uma ínfima partícula da Terra e do Universo, mostrando-nos como somos tão pequeninos e frágeis, mas simultaneamente capazes de nos ligarmos através do amor que tudo pode ligar e mudar.
Excertos:
“Saberia o pai que ia morrer? Teria consciência da implacável doença? A carta que lhe enviara lá para cima, o tom de certas palavras, o sorriso de resignação, faziam crer que sim. Mas o desejo de ver a sua ilha talvez pela última vez, o facto de antes de partir ter preparado linhas de pesca novas (…), certos olhares nostálgicos, podiam estar como que agarrados às fibras de uma esperança que se recusava a morrer.” (p. 16)
“O homem que nascia na ilha era feito para correr mundo e regressar a ela só no fim da vida.” (p. 31)
“- Andei a sondar a beira-mar e escolhi o sítio onde hei de pescar esta noite. Andei também… a rever certos recantos onde tudo se manteve tal e qual como quando eu era criança. Depois de velhos, gostamos de comprovar que o mundo não mudou por completo.
- Tornaste-te filósofo, papá?
- É preciso passar por isso; quem não o foi em jovem, sê-lo-á mais tarde.”(pp. 35-36)
“Uma luta já decidida. Sem esperança. Via de novo a luz apagar-se nos olhos turvos do pai, como o prelúdio de uma derrota. Contudo, quem combate talvez não tenha plena consciência da inevitável derrota e seja capaz de resistir e de retomar o fôlego para continuar a lutar. Mas quem assiste,
impotente, à trágica luta, e tem nas veias o mesmo sangue da vítima, sofre com reprimido horror, e
todos os seus minutos são um inferno.” (p. 37)
Texto de Jorge Navarro
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