Já andava há muito para ler este livro. Gostei muito do livro anterior, o que ganhou o Prémio literário José Saramago 2022, “Dor Fantasma”. (Opinião aqui)
Este fala-nos de algo que nenhum pai/mãe quer passar: o rapto de um filho. Anos e anos de procura sem sucesso por uma mãe que decide pôr um ponto final. Ninguém a percebe nem apoia nessa decisão. A mãe coragem, exemplo para tantas outras que passam por situações idênticas, quer desistir de procurar? Confesso que, também eu, reagi com estranheza a essa decisão. Mas, entrando na história e percebendo, um pouco, o quão o sofrimento pode ser avassalador e contínuo, consegui adorar esta premissa, tão fora do esperado.
Foram mais de trinta anos que Ângela não viveu. Com altos e baixos, o seu casamento manteve-se. Rafael Gallo soube colocar-se com mestria dentro desta mãe e exprimir com clareza todas as suas dúvidas, fazer-nos experimentar um pouco desses terríveis momentos, dos seus sentimentos contraditórios a maior parte das vezes. Mesmo esta tomada de decisão não lhe traz momentos de paz. A dor, a culpa, o medo e a esperança de um reencontro que nunca teve lugar e que a manteve numa busca incessante por anos e anos. A procura de um menino de 5 anos, único filho do casal, que se tornou homem e já não se conhece.
Muito original esta obra que se centra, não nos momentos de busca, mas no desapego de uma vontade que dominou a sua vida, o de encontrar o filho, e em todas as indecisões que a dominam quando procura ela própria assumir interiormente essa decisão.
Vidas paradas no tempo, à espera, mas toda uma família alargada afectada profundamente.
Aconselho. Leitura lenta mas imperdível, sobre um assunto difícil mas tratado com uma sensibilidade extrema. Está de parabéns o autor!
Começa assim: "Chama-se orfã a pessoa que não tem os pais. A condição de pais e mães que perderam os seus filhos, no entanto, nunca foi nomeada."
Terminado em 7 de Março de 2025
Estrelas: 6*
Sinopse
«Um filho desaparecido é um filho que morre todos os dias. Nem mesmo nas
mitologias mais cruéis há tragédia equivalente; essa dor nenhum deus
teve de suportar. Cada noite, ao cair, desaba sobre os pais com o peso
renovado da notícia: você perdeu sua criança e ela está naquela
escuridão afora, desprotegida. Essa mensagem silenciosa se impregna nas
paredes da casa, nos vãos entre os azulejos, nos ponteiros dos relógios e
nas páginas dos calendários, nos retratos da família, no chão que se
pisa.»
É esta a morte que Ângela tem enfrentado ao longo dos últimos trinta
anos, até ao dia em que decide pôr um fim à espera, certa de que o seu
filho, Felipe, não retornará à casa que manteve intacta, nem ao quarto
da criança que ele já não será.
A voz de Rafael Gallo, sempre acutilante, acompanha o sofrimento desta
mãe, por vezes num grito ensurdecedor, constante como as ondas que vêm
rebentar junto ao pontão onde Ângela tenta afogar a dor, outras vezes
num grito tão silencioso como a espera.
Cris
Uma dor inimaginável. Obrigada pela sugestão. Uma leitura certamente dura, mas o livro parece-me muito interessante.
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