“Anónimos de Abril” – Vol. 1
José Fialho Gouveia, Rogério
Charraz, Joana Alegre, 2005
Este
é o primeiro volume de um projecto que começou em Janeiro do ano
passado com o espectáculo Anónimo de Abril em Lisboa, no
Tivoli. O livro reúne histórias de doze mulheres e homens que
lutaram pela liberdade, que estiveram entre aqueles muitos milhares
que exultaram na rua com a revolução, mas de quem a História não
fala.
Transcrevo
a dedicatória a abrir o livro
“À
Celeste,
à
Aurora,
ao
Alberto,
à
Herculana,
ao
Luíz, à Albina,
à
Branca,
ao
Fernando,
ao
João, ao José, ao Fernando,
ao
Francisco
e
a todos aqueles que, de forma mais ou menos anónima, ousaram lutar
contra um regime que durante quarenta e oito anos intimidou,
espancou, prendeu, torturou e matou.”
São
histórias de vidas simples, de luta, contadas pelas próprias ou
pelos seus filhos/as ou netos, quando os pais ou avós já não estão
vivos, ou a partir de registos em jornais da época numa pesquisa
que, segundo os seus autores, “tem ainda muito caminho para
percorrer”. No final de cada uma das histórias uma canção
que pode ser ouvida e seguida através de um QR Code.
É
um tributo singelo, mas muito bonito a pessoas a quem devemos a
enorme gratidão pelo seu gesto, pelo seu heroísmo, pelo seu
exemplo.
Celeste
Caeiro a quem ficamos a dever o simbolismo dos cravos associados à
revolução de Abril e que ainda teve a felicidade de descer a
Avenida da Liberdade nos 50 anos do 25 de Abril.
Aurora
Rodrigues que aprendeu na sua experiência na prisão da ditadura que
“O medo foi sempre a grande arma da repressão. Todavia, há
alturas na vida em que não se pode recuar. Essa era a altura. Tinha
de vencer o medo.” (p. 25)
O
padre Alberto Neto assassinado em 1987, tendo o seu homicídio nunca
sido esclarecido, “Tinha Deus por companheiro/ O Senhor como
aliado/ E rezando foi guerreiro/ Contra a guerra e contra o Estado”.
(p. 57)
O
casal Herculana e Luíz Carvalho, os únicos familiares de um preso
político no Tarrafal a visitarem o filho. Mas a sua acção e
solidariedade tiveram um alcance muito para além do amor de pais,
alargando-se a todos os presos que no Tarrafal estavam com o filho
Guilherme.
Albina
Fernandes, mulher dedicada ao ideal do partido, foi mãe de Daniela e
de Rui Pato. O relato de sofrimento que foi a vida desta mulher e que
é contado através dos filhos neste “Anónimos de Abril” é bem
o retrato da brutalidade que foi a repressão perpetrada pela
ditadura a quem se opunha ao regime. No documentário “Aqueles que
Ficaram (Em Toda a Parte Todo o Mundo Tem)” da autoria de Marianela
Valverde e Humberto Candeias, com testemunhos de familiares –
mulheres e crianças – de presos políticos e militantes na
clandestinidade, temos a perspectiva daqueles que se viram privados
do contacto com os maridos e pais e dos traumas daí decorrentes.
Branca
Carvalho, uma jovem que viveu praticamente um ano na clandestinidade
e que, através de um relato em forma de carta ao filho, lhe explica
as privações e imensas dificuldades que acarretava o facto de se
abandonar tudo – família, amigos, trabalho – sem saber por
quanto tempo, “As vidas que escolhêramos não tinham prazo de
validade” (p. 101) Uma das questões que ela realça tem a ver
com um aspecto que foi muito silenciado e que ela aborda: a
marginalização ainda maior por que passavam as mulheres na
clandestinidade, passando por mulheres do “casal”, numa posição
de subalternidade - “sentia-me reduzida a tarefas domésticas,
(,,,) “Cedo percebi que o Partido aproveitava mal as capacidades de
trabalho das “suas” mulheres revolucionárias. Uma atitude algo
machista disfarçada e dissimulada em razões de segurança, notaria,
com amargura, muitos anos depois.” (p. 100)
Costuma-se
dizer que o 25 de Abril foi uma revolução sem sangue, mas a verdade
é que no final desse dia, quando Marcelo Caetano já se tinha
rendido, a partir da sede da PIDE na António Maria Cardoso, uma
rajada assassina acabou com a vida de 4 homens que se juntavam na
alegria da vitória sobre a ditadura. São os Mortos de Abril como
lhe chamam os autores do livro: Fernando Giesteira, José Barneto.
João Arruda e Fernando Reis. “Só houve quatro mortos no 25 de
Abril e a justiça foi branda com os elementos da PIDE. Ainda assim,
o caminho para chegar à Liberdade interrompeu muitas vidas. Além
dos que morreram às mãos da polícia política, convém não
esquecer os mais de cem mil mortos na Guerra Colonial. O vermelho dos
cravos de Abril também foi feito de sangue”. (p. 136)
O
livro termina com um depoimento sobre Francisco de Sousa Mendes, um
dos jovens militares que constituiu a coluna militar liderada por
Salgueiro Maia que na madrugada do 25 de Abril partiu da Escola
Prática de Cavalaria a caminho de Lisboa. Francisco é neto de
Aristides de Sousa Mendes, que na sua qualidade de diplomata e
desobedecendo às ordens de Salazar, salvou milhares de judeus ao
conceder-lhes vistos que lhes permitiram fugir de uma morte certa.
Aguardemos
pela continuação deste projecto de memória, agora que, como nunca
antes, a memória da ditadura é tão importante para que não se
caia de novo noutra.
5
de Maio de 2025
Almerinda Bento