Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

"Triste Tigre" de Neige Sinno

Já tinha lido e ouvido críticas muito boas sobre este livro. O tema, infelizmente, é sempre actual. A autora narra partes da sua vida, do abuso sexual que sofreu cometido pelo seu padrasto. Era miúda, tinha por volta dos 9 anos. Por isso não teve consciência do que lhe estava a acontecer.

A leitura desta obra é dolorosa, crua. Mas a sua escrita não foi fácil e isso transparece em cada linha escrita. Escrever torna-se necessário para ela. Ir ao fundo da sua memória, recordar, não deve ter sido fácil pese embora o leitor ao lê-la sente que nunca foi um assunto resolvido. Por isso a análise que a autora faz, dissecando os motivos, lembrando os acontecimentos numa tentativa de compreender a maldade a que foi sujeita. 

A literatura foi uma forma que encontrou de fazer uma catarse, de seguir a vida em frente. Uma obra autobiográfica diferente das que tenho lido onde se mesclam memórias e reflexões sobre o sucedido que fazem o leitor pensar sobre. Muito para além de narrar o que lhe aconteceu, a autora tenta mostrar como isso afectou a sua vida e lhe condicionou os caminhos, muito embora tenha combatido com resistência, arduamente, o sentimento de culpa que toda a vítima sente indevidamente. 

Não pude deixar de admirar como, já adulta, teve coragem de contar à mãe, enfrentá-la e acusar judicialmente o padrasto. Espantei-me também com os "motivos" invocados por este. É que há gente muito doente mesmo!!!

O trauma transformado em literatura, sabiamente. A escrita é intensa, honesta e dura. Neige Sinno soube dar voz, através da literatura, ao que silenciou durante anos. Leitura que, mais do que nos fazer pensar, pode ajudar outras pessoas que, calando, abafam a dor. 

Cita Annie Ernaux e Marguerite Duras, duas escritoras que abordaram traumas através da sua escrita.

Gostei muito e recomendo.

Terminado em 29 de Setembro de 2025

Estrelas: 5*

Sinopse
A memória é vívida, mas essa memória tingiu todas as outras imagens, todos os acontecimentos, a vida.
Neige Sinno teria sete ou nove anos - a cronologia exata, essa, também está turva - quando o padrasto começou a abusar dela.
No corpo de Neige, em tudo o que é matéria ou espírito da mulher que se tornou, a memória exata do abuso permanece.
Calada, aos 19 anos, decide quebrar o silêncio, denuncia o agressor, passa pelo julgamento público, sai de França, depois da condenação.
E, depois, há este livro, que não queria escrever.
E, depois, há o passado que a alcança - e a certeza de que é preciso fazê-lo.
Este livro não é a história de uma criança que foi abusada; é a procura incessante e obstinada de Neige para encontrar a verdade sem adornos, por conseguir ouvir a sua voz real, por no-la fazer escutar, sem esquecimento, sem perdão, sem resiliência.
Neste lugar de intimidade, onde só ela e nós habitamos, não há Lolitas, não há reparação de danos, não há a retórica da vítima.

Em Triste Tigre - que Annie Ernaux disse ser o livro mais poderoso e profundo que alguma vez leu sobre uma criança devastada por um adulto -, há palavras exatas, há ternura, há violência, há a urgência de testemunhar coletivamente.
Porque, no silêncio e na solidão, o abuso acontece, mas o espaço físico que ocupa é o do resto da vida, e a sua dimensão negra torna-se um duplo que se sobrepõe a tudo.
Dialogando com os grandes nomes da literatura que mergulharam nesta dimensão, Neige Sinno escreveu um dos mais extraordinários, inclassificáveis e premiados livros dos últimos anos.

Cris

Sem comentários:

Enviar um comentário