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quinta-feira, 15 de agosto de 2024

A Convidada escolhe: Memórias de Adriano

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar, 1951

Este era um livro que há muitos anos aguardava a sua vez de ser lido e nomeado como “livro da vida” por vários amigos. De Yourcenar apenas tinha lido “A Obra ao Negro” e uma interessante biografia da vida e obra desta autora, editada pela ASA. Mas a verdade é que ia adiando a leitura até que chegou a sua vez. Costuma-se dizer que há livros que devem ser lidos na altura certa e eu achei que estava na altura de o fazer, mas confesso que há muito que não demorava tanto tempo a terminar um livro. Julho passou e só em Agosto consegui terminá-lo. É verdade que as condições psicológicas e físicas, quando não são as melhores, nos retiram o interesse por aquilo que adoramos fazer.

Depois deste intróito, que não é nenhuma confissão, só a partir de certa altura comecei a engrenar com o livro e tenho de reconhecer que é uma obra de grande envergadura. Pensar que Marguerite Yourcenar teve um processo de trinta anos de gestação desta obra, que escreveu, deitou fora, abandonou e, por fim, num trabalho frenético a concluiu entre 1947 e 1950, tendo finalmente sido publicada em 1951, é algo de extraordinário. No final, Marguerite Yourcenar brinda-nos com um conjunto de Apontamentos sobre As Memórias de Adriano, que nos ajudam a perceber e a valorizar esta, que terá sido uma das mais significativas das suas muitas obras literárias. Constituído por seis capítulos com títulos em latim, não posso deixar de referir o facto de esta obra ter sido traduzida para a língua portuguesa por Maria Lamas.

O livro é uma longa carta na primeira pessoa do imperador Adriano dirigida a Marco Aurélio, na sequência da sua visita ao médico Hermógenes, para ser observado. Adriano tem 60 anos e como escreve “ começo a avistar o perfil da minha morte”. Enumera algumas das actividades que já não consegue cumprir, sofre de insónias e dores de cabeça e com esta carta propõe-se-lhe “contar a minha vida. (…) Não espero que os teus dezassete anos compreendam alguma coisa disso. Procuro no entanto instruir-te e também chocar-te.” (pág. 23). Começa por falar da sua infância, do avô, do pai, das suas origens, d’”as minhas primeiras pátrias foram os livros” (p. 34), da sua paixão pela língua e cultura gregas, o que lhe causou alguma desconfiança de entre os membros do Senado. A corte que rodeava Trajano, doente e sem sucessor, estava cheia de inimigos, de traidores e o ambiente que se vivia era de intriga e violência. O próprio Trajano que confiara a Adriano a tarefa de compor os seus discursos, não tinha uma atitude de total confiança naquele a quem dera o anel de sucessão no poder.

Quando Adriano sobe ao poder, o seu desejo era ser justo, clemente, escrupuloso e, sobretudo, estabelecer a paz nos territórios conquistados por Trajano. “Humanitas, Felicitas, Libertas” são as palavras que manda cunhar nas moedas do seu reinado. “ O fim que eu me propunha era uma prudente abolição de leis supérfluas, um pequeno grupo de sábias decisões firmemente promulgadas. Parecia ter chegado o momento de, no interesse da humanidade, revalorizar todas as prescrições antigas” (p. 99). Considerei extraordinária esta medida que é de uma actualidade incrível: “Insisti para que nenhuma rapariga casasse sem o seu próprio consentimento: essa violação legal é tão repugnante como qualquer outra” (p. 102). O sentimento de não pertença a qualquer sítio, mas também de não se sentir isolado onde quer que estivesse, leva-o a sentir-se como um deus, o que “obriga, em suma, a mais virtudes que ser imperador.” (p. 125). “Aos 44 anos, sentia-me sem impaciência, seguro de mim, tão perfeito quanto a minha natureza mo permitia, eterno.” (p. 124).

Casado com Sabina, por quem nunca nutriu qualquer tipo de interesse, o capítulo com o título Saeculum Aureum fala-nos da sua relação devotada com o jovem grego Antínoo, a quem chama de “o meu jovem favorito” e frequentemente “criança” que termina abruptamente com o suicídio de Antínoo, no Egipto. O desgosto daí resultante é devastador e Adriano regressa à sua amada Grécia por pouco tempo, tendo tido contacto com um bispo dos cristãos, reflectindo na sua carta sobre as virtudes e defeitos da seita fundada por Jesus.

A morte do jovem amado Antínoo leva Adriano a desinteressar-se pela vida, mas a guerra com a Judeia vem ao arrepio da sua vontade de paz e reconhece que esta guerra que ele não desejou foi um dos seus fracassos. É também nessa altura que o corpo cansado começa a mostrar as suas fragilidades, acrescido do desespero pelas noites de insónia. No regresso a Roma, deseja encontrar o seu sucessor e preparar a sua morte. Tal como acontecera com Trajano, Adriano não tinha filhos, tendo adoptado Lúcio que morre entretanto e Marco Aurélio para lhe suceder.

O último capítulo – Patientia – é o retrato dos últimos anos de Adriano, um imperador notável que morre aos 62 anos. Um homem poderoso que viveu a doença, a decadência, o desespero e o desejo de pôr termo à vida através do suicídio, mas que finalmente tomou conscientemente a decisão de renunciar a precipitar a sua própria morte.

Marguerite Yourcenar, não sendo uma historiadora, mas sim uma escritora, teve no entanto que ter feito um prodigioso trabalho de investigação histórica para fazer um livro desta envergadura. Recebeu o Prix Femina Vacaresco em 1952 e foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia Francesa em 1980, com 77 anos.

3 de Agosto de 2024

Almerinda Bento

2 comentários:

  1. Não li nada da autora. Obrigada pela sugestão.

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  2. Tenho esse livro há anos, já abri, folheei, li sobre o tema mas ainda não li. Quem sabe agora?

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