Por este Mundo Acima, Patrícia Reis, 2011
Este foi o último livro que li em 2021, terminado exactamente no último dia do ano, mas sobre o qual só agora tenho oportunidade de escrever. Foi com este livro, um fechar de ano em beleza. Um livro extraordinário, o segundo que leio de Patrícia Reis e a certeza de que é uma autora cuja obra quero continuar a descobrir.
O que é viver, como é viver, depois de um desastre nunca antes visto, um acontecimento que dizima grande parte da humanidade, que nunca é revelado o que é, mas que ao longo do livro é designado por “o acidente”? Há o antes e o depois do “acidente”. Eduardo, o narrador, é um editor, arrogante, com a obsessão de fazer listas a propósito de tudo e de nada. Sobrevivente do “acidente”, procura na sua cidade – uma zona bem caracterizada de Lisboa – os amigos de sempre: Sofia, Lourenço e Jaime. Não os vai encontrar, mas vai descobrir segredos que o vão ajudar a compreender Sofia, a “menina-desastre”, a “rapariga-tesoura” afinal e tão-somente uma mulher só. Eduardo sente-se remetido à animalidade, o computador não serve para nada, as pilhagens aos bens que ainda restam são constantes, a cidade está totalmente destruída e irreconhecível. Sem amigos, sem futuro, desesperado, com saudades da música, como é possível sobreviver? Recorda-se da frase de uma escritora que lhe tinha dito que “em situações limite, somos apenas animais”. Ele é um sobrevivente que perdeu os amigos, que lamenta o que lhes poderia ter dito e que não disse e essa ideia de perda definitiva é-lhe insuportável.Só a amizade poderá restituir-lhe o sentido da vida. “A amizade é a mais transformadora das forças humanas” (pág. 131) foi a convicção mais forte que tivera quando fora ao hospital ver o amigo Lourenço que tentara o suicídio. Este livro é com efeito “uma celebração da amizade” como a autora escreveu na mensagem que autografou no meu exemplar. Agora, depois d’“o acidente” vai ser uma criança que Eduardo encontra a dormir – Pedro – e um manuscrito que ele rejeitara e nunca publicara que lhe vão restituir a vontade de viver.
“Já te contei que encontrei uma criança? Diz coisas espantosas. Não sei como será agora. Tenho um manuscrito e uma criança.
Nunca me senti tão próximo da ideia de felicidade.” (pág. 142)
É preciso transmitir a vida, passar o testemunho, ensinar àquela criança tudo o que sabe, trazer de volta uma ideia de humanidade, abolir a palavra “tristeza” do vocabulário. A biblioteca da avó que ele vai reconstituindo, o clube de leitores que se vai criando, a memória, assim vai ganhando expressão um renascer das cinzas duma sociedade e duma humanidade devastadas. Ao ler este “Por este Mundo Acima” de Patrícia Reis não pude deixar de recordar “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, a força daquela comunidade que resistia, guardando a memória dos livros em que cada pessoa era um livro vivo.
5 de Fevereiro de 2022
Almerinda Bento
Nunca li a autora, mas fiquei muito curiosa em saber mais sobre "o acidente".
ResponderEliminarO que me parece um livro bastante interessante!! :)
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Existe um silêncio que grita
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Beijos, e uma excelente semana.
Uma autora de quem já li opiniões positivas.
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