Londres,
Virginia Woolf, 1931,32
Como é a Londres de Virginia Woolf?
Quase cem anos depois, que diferenças se encontram entre a visão da
escritora que nasceu, amou e viveu durante tantos anos nesta cidade e
uma cidadã-turista que visita a cidade e que a dá a conhecer a
outras pessoas que a visitam pela primeira vez?
Entre os inúmeros pontos de interesse
da cidade tão presente nos seus Diários,
Virginia Woolf escolhe como
“roteiro” neste The
London Scene seis aspectos,
correspondentes a seis ensaios escritos na Primavera de 1931 e
publicados em Dezembro desse mesmo ano e ao longo de 1932 na revista
Good Housekeeping.
Começa pelas docas, pela azáfama do
porto, com as entradas constantes de navios vindos da Índia, da
Austrália, da América, de todo o mundo, trazendo e levando produtos
ao sabor das necessidades e do gosto das populações. A dança dos
guindastes é constante e a sujidade e o lixo não são coisas boas
de se ver, em contraste com Oxford Street onde se encontram
“refinado(s) e
transformado(s)” os
produtos trazidos e deixados em bruto nas docas de Londres. Mas
Virginia Woolf alerta que Oxford Street “não
é a rua mais distinta de Londres”,
tanto mais que aqui “há
demasiadas pechinchas, demasiados saldos”
para concluir que “Tendo
em conta tudo isto – os leilões, os carrinhos de mão, as
pechinchas, o esplendor – não se pode dizer que seja refinado o
carácter de Oxford Street.”
Nesta maré que é Oxford Street tudo é transitório como os nossos
desejos, veloz como as notícias, reflectindo que “o
encanto da moderna Londres está em ser feita não para durar, mas
para passar.”
Depois da “Maré
de Oxford Street”
Virginia Woolf leva-nos a visitar as casas do casal escocês Thomas e
Jane Carlisle em Chelsea e de Keats em Hampstead. Sem água
canalizada, todo o trabalho de aquecimento e transporte de água para
os banhos desde a cozinha até ao terceiro andar da casa dos
escoceses, em que a Sra. Carlisle e a criada se afadigavam, tornavam
esta casa num campo de batalha contra o frio e o pó. Virginia Woolf
diz que esta casa é marcada pelo mês de Fevereiro, ao contrário da
casa de Keats, uma casa despojada de móveis, com muita luz e em que
reina a Primavera.
A Catedral de Saint Paul e a Abadia de
Westminster não podiam deixar de ser referidas como locais marcados
pela vastidão, pela serenidade e pela presença de grandes
estadistas e homens de acção que aqui repousam e onde se encontram
os seus nomes e estátuas jazentes. Não menos digno de nota, uma
inscrição que leu na parede de uma pequena igreja – St. Mary-le
Bow – onde a memória e as qualidades de um homem comum ficaram
imortalizadas.
O confronto entre o perene e o
transitório que Virginia Woolf faz na referência às estátuas dos
homens que ficaram na história e que existem na cidade e o dia-a-dia
das pessoas comuns é aprofundado no ensaio sobre a Câmara dos
Comuns. Aqui, os deputados são comparados a um “bando
de pássaros num campo de terra lavrada.” ”Estes homens pouco se
distinguem das pessoas normais” mas
são eles que decidem da paz ou da guerra, ou das coisas mais
comezinhas como a velocidade a que se pode conduzir em Londres.
Virginia Woolf dificilmente os vê transformados em estátuas. “Os
dias do indivíduo e do poder pessoal terminaram de vez”.
e conclui que a democracia transformou o Parlamento. No entanto, o
seu optimismo não é excessivo pois a democracia ainda avança a
custo, lentamente e é vigiada por inúmeros polícias…
Finalmente, o último ensaio é o
delicioso e pouco lisonjeiro retrato de uma londrina. Chama-lhe Sra.
Crowe. É “uma
coleccionadora de relações”,
recebe um grupo restrito de amigos para o chá das cinco, os quais
alimentam com as suas conversas frívolas a bisbilhotice de que são
feitas as suas vidas. Afinal de contas para eles e para a Sra. Crowe,
Londres não passava de uma aldeia e a bisbilhotice era tudo o que
queriam da vida.
A ideia que perpassa da cidade de
Londres nestes ensaios escritos em 1931 é de uma cidade trepidante,
em que as pessoas se acotovelam, com multidões sempre apressadas,
havendo até referência a turistas (pág. 67). “Os
únicos sítios tranquilos …são os cemitérios.” A
trepidação e o encanto da sua cidade testemunhados por esta ilustre
londrina, continuam a atrair milhões de turistas um século depois.
Como seria “The London
Scene” escrito por
Virgínia Woolf em 2019? Numa página do seu Diário
de 5 de Maio de 1924
escrevia “Londres fascina,
saio e é de imediato um mágico tapete colorido e eis-me
transportada para a beleza, sem ter sequer de mexer um dedo.”
Mouriscas, 3 de Agosto de 2019
Almerinda Bento
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