Avenida do Príncipe Perfeito, Filomena Marona Beja, 2017
É excelente descobrir um/a novo/a escritor/a e ficar deslumbrado com a sua escrita.
Foi o que me aconteceu com este livro de Filomena Marona Beja, que li num ápice.
Uma escrita muito bem articulada, cheia de vida, que prende desde o início. Um puzzle de peças miúdas, mas que se encaixam perfeitamente.
A história das casas, das pessoas que as projectam, que as sonham, que lá vivem, a par da história dos países. O sobe e desce. Os impérios que se desfazem. As vidas que se desfazem. O paralelo das desgraças individuais e colectivas nas suas diferentes dimensões, tudo muito bem entrelaçado numa narrativa fluida e extremamente bem contada.
Passa-se em Portugal e na cidade de Lisboa na década de 80. Depois dos anos da revolução, os primeiros sinais da “crise”, a presença do FMI, a que se segue a época da “retoma” e depois os anos dos fundos aquando da entrada de Portugal na CEE. Os novos-ricos, os patos-bravos cultivam as aparências, rejubilam com o dinheiro fácil, aspiram a um “progresso” que para eles é sinónimo de betão, consumo desenfreado e estilo de vida insustentável. A década seguinte assistiu à transformação da parte oriental da cidade com o grande evento que foi a Expo 98, precursor da explosão posterior no turismo que hoje estamos a viver.
Mas enquanto as personagens em “Avenida do Príncipe Perfeito” trabalham, vivem as suas vidas, fazem os seus negócios, desfrutam da paz e da luz perfeita da cidade, Cristóvão traz para o dia-a-dia as notícias dos jornais, do que se passa no mundo, onde a guerra se insinua todos os dias e os negócios das armas estão em alta. O Irão e o Iraque, os americanos e Ronald Reagan, os ayatolas, os russos e o Afeganistão, o ópio, os negócios sujos do tráfico de armas, o ataque às Torres Gémeas e o Mal personificado em Osama Bin Laden e em Sadam Hussein, o encontro das Lajes onde Bush, Aznár, Blair e Durão Barroso se juntam para destapar uma caixa de Pandora cujos efeitos continuamos a viver… Milhares de mortos, instabilidade permanente, terror, destruição do património cultural da Humanidade (Museu Nacional de Bagdade)…
Depois de ter tido uma carreira profissional sólida e bem remunerada como engenheiro, fruto de trabalho e sacrifício, a vida, as escolhas que fez ou as prisões de que não se conseguiu libertar - Alexandre (Xandre) (Alex) - entrou em declínio e viveu a realidade de estar na fila do desemprego, de receber o rendimento mínimo, de ir mendigar umas bolachas ou umas peças de fruta aos Voluntários da Noite, de perder a casa. “Foi a primeira vez que se viu daquele lado da esmola”.
Casos como o de Alexandre Matias foram tratados em peças jornalísticas bem recentemente, aquando da intervenção da troika. Hoje já sem a troika por cá, o convite ao consumo fácil – carros, carros e mais carros – chega à náusea nos intervalos publicitários.
Não sendo panfletário, este romance tem, no entanto, uma marca política muito importante e forte que muito me agradou. Este não vai ser certamente o único livro que lerei de Filomena Marona Beja.
Almerinda Bento
22 de Janeiro 2018
Sem comentários:
Enviar um comentário