Um livro que me encheu verdadeiramente as medidas. Lido num dia de descanso em que nem quis sair para nāo perder pitada.
Creio que nāo é fácil escrever uma história onde a acçāo se passa num cenário de guerra. Pode-se cair em pieguices exageradas ou entāo, pelo contrário, descrever muito superficialmente os actos de horror que as guerras, todas, trazem consigo. O meio termo é importante para o leitor conseguir embrenhar-se na história, senti-la sua. Foi, de facto, o que me aconteceu.
As guerras sāo, felizmente para muitos, uma coisa lá bem longe. E esta, o desmantelamente da antiga Jugoslávia e a guerra civil entre a Croácia e a Sérvia, nos anos 90, acabou por ficar remetida algures em mim numa memória longínqua. Mesmo tendo visitado o país já há alguns anos e ter ainda encontrado casas com vestígios dessa guerra (por exemplo, algumas casa ainda com os buracos das balas) nāo se consegue visualizar o sofrimento passado por esse povo e bem depressa somos conquistados pela beleza de um país possuidor de uma costa belíssima e, consequentemente a beleza da paisagem faz esquecer o seu passado sofrido. No entanto, ao ler passagens do livro fui, de novo, passear pela Croácia e ficou o desejo de lá voltar. Agora com outros olhos, certamente.
Como dizia, aqui a autora prende-nos logo nas primeiras páginas. Ana, uma menina croata de 10 anos, recorda a sua infância livre e feliz. As dificuldades eram muitas porque a sua família nāo tinha muitos recursos mas a bicicleta, o seu amigo Luka, o futebol e a relaçāo especial com o seu pai preenchiam os seus dias. Aos poucos, este cenário muda: a comida escasseia, os aviōes sobrevoam e os ataques aéreos, os abrigos e o cheiro a queimado passam a ser uma realidade. As brincadeiras mudam, passando a imitar o que os seus pequenos olhos veem.
Uma escrita arrebatadora, pormenores descritos com uma clareza surpreendente, por vezes com a inocência própria de uma criança que aprendeu a creser mais rapidamente do que era suposto.
Nāo posso deixar de vos contar como me senti descontente quando a narrativa dá um salto temporal. Sabem aquela sensaçāo de nāo querer abandonar as páginas que retratam uma época, de querer saber mais pormenores? Mas, verifiquei com agrado que a autora soube conquistar a minha atençāo rapidamente porque a história parece real e aborda outros aspectos que me pareceram muito interessantes: o que fazer com as memórias que foram dolorosamente postas de lado para se conseguir sobreviver?
A guerra vista com os olhos de uma criança. Uma mulher que cresceu mas, escondido o passado, nāo sabe onde pertence, onde é a sua casa. Recomendo muitíssimo. Nota máxima.
Terminado em 15 de Abril de 2017
Estrelas: 6*
Sinopse
Uma saga de guerra, um relato da passagem à idade adulta, uma história de amor e de memória, Rapariga em Guerra percorre todas estas facetas e revela-se um romance de estreia ao mesmo tempo perturbador e cheio de esperança, escrito com a força da verdade. Zagreb, 1991. Ana Juric é uma menina de dez anos com um espírito descontraído, que vive com a sua família na capital da Croácia. Mas, nesse ano, a Jugoslávia é abalada pela guerra civil, destruindo a infância idílica de Ana. A paz do dia a dia é manchada pelo racionamento, pelos constantes raids aéreos e os jogos de futebol são substituídos pelo fogo das armas. Os vizinhos começam a desconfiar uns dos outros e a sensação de segurança começa a desvanecer-se. Quando a guerra lhe bate à porta, Ana tem de encontrar um novo caminho num mundo perigoso.
Nova Iorque, 2001. Ana é agora uma estudante universitária em Manhattan. Apesar de todas as tentativas para deixar o passado para trás, não consegue escapar às recordações de guerra e aos segredos que guarda até dos que lhe são mais próximos. Perseguida pelos acontecimentos que lhe roubaram a família para sempre, regressa à Croácia depois de uma década de ausência, na esperança de fazer as pazes com o lugar a que um dia chamou casa. Enquanto enfrenta o passado, procura reconciliar-se com a história difícil do seu país e com os acontecimentos que lhe interromperam a infância, há tantos anos. Avançando e recuando no tempo, este livro é um retrato franco e generoso de um país devastado pela guerra, mostrando-nos, com uma escrita brilhante, a impossibilidade de separar a história de um país e a história do indivíduo.
Sara Nović revela destemidamente o impacto da guerra numa menina e o seu legado em
todos nós. É a estreia de uma escritora que olhou para o passado recente e encontrou
uma história que ressoa ainda hoje.
Cris
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