São diversos os contos em que o personagem central é ora um menino solitário entregue á paixão pelo desenho, ou um jovem obrigado a frequentar o seminário e que encontra nos livros o escape para um futuro que não deseja, ou o jovem que corre mundo para aprender uma profissão começando por aprendiz até ser serralheiro. Mas, embora ainda jovem, o autor mostra em alguns contos uma capacidade de divagar e reflectir sobre a velhice, a decadência ou a solidão, mais próprios de um homem já avançado na idade.
A ideia da viagem, da errância, da descoberta de outras paragens é também um dos temas, ora como sinal de crescimento, ora como fuga, ora como descoberta pessoal, quer no contacto com outros, quer no encontro consigo mesmo. A literatura e a paixão pelos livros, a pintura e a música, para além de descrições de paisagens, verdadeiras pinturas cheias de detalhe que permitem ao leitor/a imaginá-las na sua diversidade e com a luz que lhes são próprias, consoante a hora ou a estação em que a acção decorre, são características destes contos que verdadeiramente me impressionaram.
Destaco aqui o último conto, talvez aquele de que mais gostei “Uma Viagem a Pé pelo Outono”. É um regresso ao passado, numa tentativa de reviver um período feliz da sua juventude, que me recordou aquela canção que diz que nunca se deve voltar ao lugar onde uma vez se foi feliz! O facto de o narrador fazer propositadamente a viagem a pé, para desfrutar desses lugares com uma memória precisa, encontrando pessoas que já não o reconhecem e que, entretanto, fizeram a sua vida e se modificaram, é um convite para o/a leitor/a o acompanhar nessa viagem, dada a forma soberba como as descrições da natureza, das paisagens, ambientes e situações reflectem não só o ambiente envolvente, mas o estado de espírito do viajante.
“O caminho seguia vale acima, acompanhando o ribeiro durante algum tempo e depois subindo em direcção ao cimo da floresta. Enquanto caminhava, ocorreu-me que no fundo tinha seguido sozinho por todos os caminhos, e não apenas nos meus passeios, mas em todos os passos da minha vida. Amigos e parentes, bons conhecidos e amores estavam sempre presentes, mas nunca me continham, nunca me preenchiam, nunca me desviavam para percursos diferentes daquele que eu próprio tinha escolhido. Talvez cada pessoa, seja ela como for, é como uma bola que foi atirada numa dada direcção, que segue um percurso há muito estabelecido ao mesmo tempo que pensa estar a forçar ou a provocar o destino. De qualquer modo, o “destino” reside em nós e não no exterior, o que dá à superfície da vida, aos acontecimentos visíveis, uma certa irrelevância. Aquilo que habitualmente nos pesa e que nos parece tão trágico torna-se então, muitas vezes, uma bagatela.”
Almerinda Bento
Março 2017
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