Um dia todos os novos livros serão escritos por máquinas. O leitor, palavra que deixará de existir, será mais um consumidor e poderá escolher de entre várias entidades emissoras de livros (editoras bye-bye) qual a história que quer. Escolhe a personagem principal, os amigos e inimigos, poderá escolher o ambiente em que a história se passará, se quer ser surpreendido ou se quer algo a que esteja já habituado. Os mais afoitos até terão uma hipótese de escolher algo aleatório, mas serão poucos a fazê-lo. O número de páginas, se tem erotismo ou não, se querem que a história seja semelhante à de algum autor antigo, dos que escreviam com uma pena, uma caneta ou num antigo Mac.
O consumidor vai percorrer várias opções e vai escolhendo o caminho para o seu livro. A diferença reside nas emissoras de livros, que terão menus mais ou menos elaborados, mais ou menos desfechos. Algoritmos ultra complexos, para os dias de hoje claro, criam a história em menos de 2 minutos. Sai em papel, não acreditem na treta do online. As pessoas voltarão sempre ao papel. Até porque a mesma máquina que cria os livros, os aceita de volta e recicla-os num piscar de olhos.
Claro que existirão sempre escritores humanos, mas servem apenas como termo de comparação e validação das máquinas. Em provas cegas, os consumidores terão que ler livros escritos por máquinas e por gente de carne e osso. Digo terão porque realmente existirá a obrigação de fazer parte do sistema, caso se queira ser consumidor. Confirmando-se que a máquina equivale ao mais surpreendente dos humanos, o processo continua tirando-se uma ou outra possível medida de melhoria para o sistema de emissão de livros.
Dir-se-á que os livros terão perdido o romantismo, a individualidade, a magia.
Muito possivelmente até uma rebelião virtual numa das centenas de redes sociais pode acontecer. Intitular-se-ão os românticos e apontam o dedo ao mecanicismo da escrita.
No entanto, as provas cegas serão cada vez mais elucidativas, as máquinas sabem escrever.
Até esse dia, é bom que cada um de nós tenha a oportunidade de se expressar e de pôr no papel as histórias que lhe percorrem o imaginário.
Aamir é a personagem de uma dessas histórias. Um tipo banal como eu teve a oportunidade de o criar, e de o deixar à solta nas ruas de Lisboa, onde sobrevive numa indigência banhada a álcool.
Ricardo Gomes
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