Corre. Corre. Como se a escuridão não te fosse engolir, como se o próximo degrau não te esgotasse a alma. Corre. Não podes parar. Os cavalos, atrás de ti, vão esmagar-te se hesitares, se pensares neles somente.
Não penses, corre.
Como se os ramos dos arbustos não te fustigassem a cara, como se as lágrimas não brotassem secas. Corre. Como se soubesses o caminho, como se fosses a lado algum. Corre.
Não penses, corre.
Os sonhos pesam quando estamos a fugir, as recordações são elásticos que esperam sempre voltar à menor tensão. Não te lembres, corre. Corre para o passado que não cumpriste, corre para tudo o que deixaste por fazer. Corre.
Sempre em frente, corre.
É tudo o que te resta. Foge dos cavalos negros, bestas de músculo que não vais conseguir vencer. Não desistas, corre. Insiste até ao fim. Os ossos quebrados aguentam um pouco mais. Não faças barulho. Não deixes o quente da exaustão afogar a tua esperança. Corre.
Não penses porquê, corre.
Se pensares eles apanham-te e tudo está perdido. Mexe-te só. Corre. Faz. Estes cavalos de fogo rugem cegos sem razão. Não os podes domar, não os podes vencer.
Sou a voz na tua cabeça, a que te obriga a continuar. A que te impede de te despedaçares sob cascos afiados de cavalos a vapor. Confia em mim. Só eu te posso salvar. Corre.
Não penses, corre.
Pensar vai gastar-te energia, não podes dar-te a esse luxo se queres sobreviver. Não te escondas, eles encontram-te. Não te lamentes, eles ouvem-te e alimentam-se. Os cavalos aproximam-se, na tua retaguarda perseguem-te em todas as direções.
Não sintas, corre.
Não sintas o cansaço, não sintas as dores. Corre até ao sol nascer, agora os cães também no teu encalço. Não os deixem sentirem o cheiro. O medo. O cansaço. O vazio.
Até o sol nascer, corre.
Não acordes. Não acordes. Não acordes.
Catarina Janeiro
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