"A vida no Céu" de José Eduardo Agualusa – um livro para jovens ou sonhadores…
Podemos dizer que se trata de um livro onde impera a fantasia ou a ficção científica, especulativa dirão alguns, mas no meu ponto vista, já 3º juventude e talvez não muito sonhadora, toda a trama nos conduz a reflexões muito profundas, sendo a principal o modo como os terrenos cuidam da sua Terra e pensam a sério na sua sustentabilidade.
Mas a história de Agualusa desenha-se, felizmente, num futuro muito distante, numa altura em que as tecnologias se encontram, já, num estado muito avançado, e é num grande exercício de imaginação que o autor leva o leitor a navegar nos Céus, onde não faltam nem as emoções nem as aventuras.
O futuro de que atrás falei seguiu-se a um grande cataclismo que teve como consequência o globo terrestre ter ficado inteiramente coberto de água e com uma temperatura intolerável à vida humana. A única solução era fugir para o Céu e foi o que conseguiram fazer uns quantos milhões de pessoas que conforme as suas possibilidades económicas foram habitar verdadeiras cidades e aldeias flutuantes, ou seja, foram viver para dirigíveis de variadas dimensões, ou até mesmo em balões os menos favorecidos.
O interessante e talvez insólito da questão é que nada lhes faltava, tudo se encontrava muito bem organizado, muito principalmente nos dirigíveis gigantescos e médios, onde não faltava o facebook e a skypédia. Todos, pequenos ou grandes dirigíveis, balsas ou balões, tinham os nomes das cidades ou aldeias de origem: Paris, Washington, Tóquio, Xangai, São Paulo, Luanda, etc. Havia balões especializados nas várias profissões e até na muito perigosa pesca à linha e de mergulho. A própria Luanda flutuante é uma aldeia biblioteca, preservando a memória escrita do homem e onde se encontra a única cópia, sobrevivente, de O Segredo dos Nefelibatas. Mas nem só "o bom" o homem levou para os Céus, também viajou a exploração, a descriminação, a desigualdade, a pirataria, a corrupção, assaltos, enfim toda a maldade de que o homem é capaz.
A ação do livro começa, narrado e protagonizado por um jovem de 16 anos. Os mais novos, a geração que nasceu no céu, estranham a nostalgia dos velhos pelos cheiros: O cheiro da relva molhada. Os cheiros das coisas que não existem mais. A saudade existia e tem como finalidade mostrar a diferença entre o antes e o depois. Exaltar o que se perdeu. Uns quantos idosos destemidos, o pai do jovem incluído, sonham poder ainda encontrar um ponto alto que tenha sobrevivido ao dilúvio, onde pudessem reviver os cheiros da terra e sentir o seu pisar firme. Depois de muitas peripécias e aventuras onde o jovem participa, isso veio a concretizar-se pois o ponto mais alto da Amazónia foi encontrado, «A Ilha Verde». Nele vivia um povo que utilizava uma planta que fazia com que os humanos pudessem tolerar o clima. Depois desta descoberta, como o espaço era bastante reduzido, foi feito um acordo pelo qual apenas pequenos grupos de cada vez pudessem visitar o local, agora o "paraíso". Nasceu o turismo, mas não de massas.
Vários conceitos ressaltam nesta obra, a questão da identidade que não tem a ver com o lugar onde se nasce mas sim com o lugar por onde se passa, dado que no Céu tudo é movimento, as diferentes formas de pensar, as opiniões e os gostos das pessoas que nasceram na terra, e agora são obrigadas a viverem no céu, e daquelas que só conheceram o céu como morada.
Apreciei a grande criatividade do autor, as descrições da vida nas balsas e naquelas cidades no céu, das aldeias ligadas por redes e cordas, onde todos tiveram que se adaptar a uma nova vida. Tanta gente que hoje em dia vê a sua vida virar do avesso. Para onde vai o homem quando perde o seu chão? Um livro que diverte, que não é tão leve como parece pois tem personagens muito profundas na sua metáfora ecológica, embora se sinta a falta de desenvolvimento a algumas.
Neste romance, antes de cada capítulo, encontra-se uma entrada do dicionário dos nefelibatas.
É uma obra a que não estamos habituados em Agualusa, mas gostei muito e penso que é para pequenos e crescidos e não desilude.
Maria Fernanda Pinto
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