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domingo, 17 de maio de 2015

Ao Domingo com... Luís Corredoura

Gentilmente, pediram-me para falar de mim... Bom, isso é sempre complicado. Descrever-me soa-me deveras a um auto-elogio, algo que me é estranho, apesar de não padecer de grandes complexos quando há que dizer algo sobre a minha pessoa, não obstante ser um pouco comedido em palavras nesse aspecto, quer seja para apontar virtudes - poucas -, quer seja para denunciar defeitos - demasiado obscenos para aqui serem descritos!... -. Quando nos expomos livremente, há sempre que ter em atenção a ténue barreira que separa o que pode soar a elogio do que semelha ser uma crítica - negativa, claro!, visto demasiada humildade ser vaidade, assim diziam os antigos... -. Perante tudo isto, opto por falar daquilo que faço, melhor dizendo, de parte do que faço, disso que fez com que estas linhas fossem escritas...
O que é escrever? Um processo expiatório e, concomitantemente, de libertação? Sim, é-me isso, mas também mais. Escrever, para mim, acaba por ser uma necessidade fisiológica tão premente quanto respirar e comer, apesar de ter consciência que isto soa a exagero. No entanto, é tão-só o que sucede. Escrevo para exorcizar os meus demónios, do mesmo modo que escrevo porque necessito constantemente de despejar o acervo acumulado no interior da minha cabeça. E quão mais fácil tudo seria se esta dispusesse de um terminal USB onde pudesse ligar um cabo directamente a uma impressora!... Seria? Sim, seria, mas o gozo da escrita perder-se-ia porque escrever - assim o sinto - é como desbastar um bloco de pedra para o transformar numa escultura. Digo isto de um modo metaforicamente real, visto ter nascido e crescido no seio de grandes pedreiras e de fábricas transformadoras de pedra, daquela pedra com que toda a Lisboa foi refeita após o terramoto, a mesma pedra que permitiu que o sonho de D. João V se consubstanciasse, dando origem ao colossal Palácio-Convento de Mafra - basta recordar o que Saramago escreveu no seu "Memorial do Convento" -, o material que sustem o Aqueduto das Águas-Livres...
Nasci em Pêro Pinheiro, uma pequena vila que nada tem de excepcional para além das fábricas e pedreiras que, devido às vicissitudes dos tempos que correm, se encontram quase todas em sérias dificuldades, sendo que  muitas já encerraram definitivamente. Quando muito novo, ansiei ser pedreiro ou carpinteiro, vagueando por entre montanhas de pedras e de madeira, correndo e brincando num ambiente simultaneamente campestre, industrial e selvagem. Depois de várias marteladas e cortes profundos nos dedos das mãos, descobri que o melhor, afinal, seria enveredar por uma carreira de arquitecto  - é mais seguro empunhar um lápis que um martelo e um escopro!... - No entanto, sempre me fascinou a construção, pelo que jamais recuso um convite para "pôr a mão na massa", na verdadeira acepção do termo.
Entre riscos e rabiscos e leituras desenfreadas, desenhava também palavras, não sabendo, às tantas, se escrevia desenhos, se debuxava frases. Desde então, têm seguido em paralelo estas minhas duas facetas até ao presente. E tanto é que não consigo deixar de designar os meus manuscritos como "projectos literários"... Um paradoxo face a um projecto de Arquitectura propriamente dito, pois este só deixa de o ser quando é construído, quando passa do papel e se ergue em betão, cimento e tijolos, enquanto um "projecto literário" somente se torna palpável quando surge no papel de um exemplar que fique disponível para o público.
... e foi assim, sem que houvesse qualquer memória de arquitectos no seio familiar - havia e há, como seria de esperar, tradição de labuta no lioz, uma rocha única no mundo, a tal com que o marquês do Pombal mandou reerguer a capital dos escombros -, que me licenciei em Arquitectura enquanto vivia/vivo obcecado pela História. Quiçá devido a isso, acabei por aprofundar os estudos, especializando-me em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico, ingenuamente crendo desde há muito que o futuro da Arquitectura em Portugal reside na reabilitação, situação que até ao momento, infelizmente, ainda não se concretizou, independentemente de esta área ser um filão inesgotável em termos de trabalho - pelo menos, para as próximas gerações - dado o estado em que chegaram muitos dos nossos centros históricos e monumentos.

Como arquitecto, tenho também noção que a minha formação profissional desempenha um papel nada despiciendo na escrita, visto "facilitar-me a vida" quando tenho que "olhar" um território, quando há que descrever um cenário, quando há que inventar um país. O mesmo sucede com os pequenos escritos em jeito de poema que amiúde faço. São para mim como exercícios matemáticos, onde me exercito à procura das palavras, dos seus sinónimos, antónimos e de figuras de estilo que agilizam o meu expressar quando me embrenho por veredas mais longas e misteriosas, como são as que percorremos quando estamos envolvidos num "projecto literário" de fundo.
Mas, falando de livros... Sim, escrevo porque preciso de colocar no papel o que vou imaginando, sonhando e pensando sobre situações que, em muitos dos casos, não sucederam, mas que... mas que podiam ter acontecido. É o designado género "what if", conforme os anglo-saxões o designam e que, por vezes, acaba por entrar no mundo do fantástico. Tal passou-se com os meus livros entretanto editados, "Nome de Código Portograal" e "Lusitano Fado" - ambos p'la Editora Marcador -, assim como com vários outros encerrados num esconso e que aguardam "a luz do dia". Tentei reinventar a História tendo por base factos concretos, tendo como substracto as intermináveis horas que sempre dediquei à leitura. Não vou dizer que fui bem sucedido, não. Isso compete a quem me lê. Mas posso adiantar que me deu um gozo imenso recuar oitenta anos e reescrever a História em "Nome de Código Portograal" ou voltar a 1974 e reinventar partes do processo que esteve na origem da mudança de regime, como se passa, entre outras coisas, em "Lusitano Fado".
Se calhar, sou isso mesmo, um reinventor do passado..., sim, resumidamente, sou alguém que recria cenários para se sentir como verdadeira testemunha de factos que, afinal, nunca podia ter vivido. Oh, e como gostaria de lá ter estado!...

Luís Corredoura

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