"Julgo que tu, Cristina, me escolheste por causa desta foto. Foi tirada em Santa Apolónia em finais de Novembro do ano passado. Um passado já longínquo, portanto, como quase tudo vivido. Tem assinatura do Luís de Barros e, perdoem-me, é assaz enganadora. A minha filha estava constipada e eu tentei disfarçar. Manobras de diversão. Era um jantar de antigos amigos onde ela, com meros quatro meses, fazia à mesa o seu "début" lisboeta. Fingi. Em vez do boxer, pertença do Luís e com o humilde nome "Boss", o que eu queria era deixar-me fotografar-me com a pequenina Agnes, a minha paixão maior. Deixem-me desde já dizer-vos que o Luís é um grande, enorme, fotógrafo, sobretudo de moda, coisa para a qual me gabo de não ter o mínimo jeito. Daí aproveitar, ter aproveitado, e mui dissimuladamente, tão inopinada boleia. É hoje a minha foto de perfil no Facebook, mas só de vez em quando. Adoro intermitências. A coerência extrema pode matar. Mata mesmo. Aliás, o que é a coerência? Mais relevante, ou importante, foi esta foto, ou aquele jantar de Novembro, talvez apenas o Luís, e o Boss, que me inspirou para a capa do "Choque Cultural", o meu mais recente livro. São crónicas, é certo, mas a editora fez a gentileza de me chutar para um certo estúdio ao Cais do Sodré. Desta vez em Junho e no pino do calor. Calor a sério. O autor? Mário Príncipe. Suado e estafado, saudoso dos meus adocicados Verões estónios, tentei esboçar um esgar ainda mais pateta. Demente até. Dizem-me que não correu assim tão mal. A verdade é que conquistei alguma visibilidade nas livrarias nacionais com aquela tromba pateta. Pior: sem o canino Boss ao meu lado a justificá-la. Já mais amparado, escrevo-vos estas linhas com uma pontinha de orgulho animal. E prosseguiria, mas a minha história será — é — necessariamente breve. É domingo, e por acaso até é mesmo, e não me convém exagerar nos caracteres. Mesmo que pagão convicto, carburo muitíssimo melhor à semana. Octanagem pura."
João Lopes Marques
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