Subia a galope a avenida, de mão dada com a minha mãe, parando junto dos quiosques a mirar com atenção as revistas expostas. Puxava-a com teimosia, pedindo-lhe teimosamente que me desse uma “Mônica”.
– Ainda nem sabes ler – dizia-me ela.
– Assim, quando aprender, já vou ter muitas coisas para ler – argumentava cheia de confiança.
Mais tarde, quando os quadradinhos se mostraram fáceis demais e as minhas capacidades básicas de leitura já apreendidas exigiam desafio, enveredei pelo mundo de “Uma Aventura”. Foi um reboliço de livros a surgirem na estante. Os tios ajudavam à recente descoberta e os pais ficavam orgulhosos de eu me interessar pela leitura, sem falar do facto de me sossegar.
– A minha Andreia é um sossego – gabava-se a minha mãe. – Enfia-se no quarto com os livros e não me chateia nadinha.
No entanto, logo comecei a dar algum “trabalho”. Por volta dos nove anos, recebi um livro de oferta numa revista juvenil. Intitulava-se “Bem-vindos à casa da morte” e fez-me mergulhar, pela primeira vez, no mundo do terror.
Foram noites em branco, enquanto a insistência me levava a procurar a coleção dos “Arrepios” nas bibliotecas ou nas estantes alheias (já que a minha mãe se recusava a dar-me). A imaginação atingia picos vertiginosos à procura do sobrenatural dentro de mim. Fantasiava com vampiros, temia os lobisomens, mas foi com as picadas na nuca e com o fôlego sustido das histórias com espectros que encontrei o verdadeiro apogeu do meu medo: os demónios.
Na pré-adolescência, surgiram as oportunidades e o conhecimento tecnológico necessário para ver os clássicos do terror, que viriam a assombrar-me deliciosamente no futuro.
Neste ambiente de curiosidade e de insónias, enveredei pela minha primeira aventura, a composição de um conto. Uma jovem que lia os pensamentos dos outros e acabava internada numa casa de saúde. Escrevi tudo em folhas pautadas, agrafadas, e, no final, senti um orgulho imenso ao folhear os treze capítulos (na altura, andava obcecada com os simbolismos).
A maturidade propriamente dita, aquela idade em que as questões começam realmente a aflorar e a razão é uma meta arduamente perseguida, atenuou ligeiramente o interesse no fantástico. Outros livros povoaram as minhas estantes, permitindo que me interessasse pelo romance, pelas histórias de amor, pela tragédia dos amantes. Aí, descobri o poder da rima e iniciei-me numa composição de sentimentos expostos em palavras.
Criei o meu vínculo com a língua e aprendi a visualizar a junção das letras como uma análise de mim, percebendo o quão própria me sentia de caneta na mão.
Já não tardava para que a paixão pela escrita me lançasse na aventura de construir o meu próprio mundo.
Ao atingir a maioridade, surgiu a vontade de descrever um resquício do que me invadia a alma nas noites de insónia, dando forma ao 1.º capítulo do que se viria a chamar “Soberba Escuridão”.
As ideias abundam na mente e o sossego só é alcançável com a transposição das mesmas para o papel. Agora, condeno o tempo e a vida de responsabilidades que não me deixam o espaço desejado para me perder na imaginação. Quando me transformo numa exploradora, de lupa e mochila às costas, e enveredo pelos subúrbios da minha mente, sinto me feliz."
Andreia Ferreira
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