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sexta-feira, 7 de março de 2025

A Convidada escolhe: "Do Outro Lado do Sonho"

Do Outro Lado do Sonho, Ursula K. Le Guin, 1971

Leitura terminada. Confesso que tenho dificuldade em escrever sobre este livro, mas como vai ser objecto da próxima conversa no Leia Mulheres Lisboa, será certamente um debate vivo e com diferentes opiniões.

Eu não sou apreciadora de ficção científica. Acho que ao longo das cerca de duzentas páginas do livro, há muitas voltas e atalhos que me fizeram sentir perdida e confusa. O tema tem a ver com o sonho e a realidade. Afinal o que é sonho, o que é realidade?

O livro foi escrito em 1971. Passa-se nos Estados Unidos da América, no final dos anos 80. “Nova Iorque estava em vias de se tornar uma das maiores vítimas do efeito de estufa, enquanto o gelo polar continuava a fundir-se e o mar continuava a subir; na verdade, toda a costa de Boston estava ameaçada.” “A subnutrição, a superpopulação e a intensa poluição do ambiente eram normais” (pág. 34). George Orr vive em Portland e nas suas deslocações diárias para o trabalho, no comboio, “entre milhares de pessoas. Sentia aquele peso esmagador que se abatia interminavelmente sobre si. Pensou que estava a viver um pesadelo, daqueles que levam uma pessoa a acordar quando está a a dormir.” (pág. 42). “Poderia alguém, mesmo são, viver neste mundo sem dar em doido?” (pág. 48) É neste ambiente que George Orr, alguém que se privava de sonhar, que tinha medo de sonhar porque os seus sonhos alteravam os acontecimentos e que queria curar-se para aprender a não sonhar com efeito, acabou nas mãos de um psiquiatra que o utilizou como instrumento para as suas experiências. Mas Orr queria ser curado e não usado.

A partir do momento em que entra no esquema das sessões com o psiquiatra que o hipnotiza e lhe controla os sonhos, Orr sente-se usado, quer desistir, mas é impotente e não consegue libertar-se. Ele está “apanhado, como um rato numa ratoeira” (pág. 75). Afinal as mudanças operadas pelo dr. Haber só vieram piorar a situação. Na nova realidade tudo estava padronizado, todos se vestiam da mesma maneira, todos tinham a pele cinzenta e os problemas raciais deixaram de existir, mas embora fossem tolerados os doentes mentais, era considerado crime ter-se uma doença incurável, contagiosa ou hereditária. Não havia espaço para se “perder tempo com sofrimentos desnecessários” (pág. 131). A nova realidade era outro pesadelo.

Nesta história estranha em que há máquinas que condicionam sonhos, em que há extraterrestres pacíficos que se integram na sociedade como empresários, em que há vírus cancerígenos que dizimam populações, também há lugar ao amor que consegue sobrepor-se ao caos que o homem criou. Onde acaba a realidade e começa o pesadelo?

Em minha opinião, o título original deste livro de ficção científica “The Lathe of Heaven”, que pode ser traduzido por O Torno do Céu, aponta para a figura do psiquiatra Dr. Haber, qual deus com a ambição de moldar a mente do seu paciente, levando-o a imaginar viver uma realidade que de facto não existe. Uma coisa é certa: o problema das alterações climáticas não é ficção, a poluição é o ar que respiramos, o degelo polar e o risco de as regiões costeiras ficarem submersas são a realidade. A realidade como pesadelo é o triste legado que a humanidade está a deixar para os vindouros.

16 de Fevereiro de 2025

Almerinda Bento



1 comentário:

  1. Não é um género de livro que leia, mas o importante é que haja diversidade de escolha.

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