Lido no âmbito do grupo de leitura da Buchholz, orientado pela escritora e tradutora Tânia Ganho, este livro foi desencantado de uma prateleira onde jazia já há muito.
A ameaça, o suspense, estão sempre com o leitor nestas páginas terríveis. Numa família numerosa feliz – o sonho de Harriet e David - Ben, o quinto filho vem destruir a tranquilidade existente. A diferença, que a própria mãe sente logo na gravidez mas que teima em não reconhecer até perante si própria, é a causa dessa lenta destruição. Harriet quer dar um nome à “doença” que vê no seu filho mas os médicos, eles próprios, não reconhecem tal. E o leitor caminha por entre os destroços deixados por este filho que cresce e vai semeando mal estar na família, desagregando-a aos poucos. O “mal” não é físico, é interno. A agressividade e a falta de sentimentos afasta desde cedo esta criança dos irmãos, do pai e até mesmo da mãe que luta interiormente para o conseguir amar e tratar de igual forma como aos outros filhos.
Os abismos humanos aqui bem retratados. Uma montanha russa de emoções que se misturam, as dos diferentes personagens e as nossas, como leitores. O medo da maternidade, a diferença e o que ela pode gerar nos comportamentos humanos.
Um livro que deixa uma impressão profunda no leitor, que proporciona debate intenso, que não se esquece. Muito inquietante e terrível. Uma história brilhantemente escrita com um final condizente! Quero ler mais da obra desta autora, que tão bem soube reproduzir sentimentos extremos aqui nesta pequena preciosidade.
"Eles estavam a matá-lo. E viu que David nunca lhe iria perdoar por ter dito isto em frente das crianças. Todas mostravam medo. Ela subiu imediatamente as escadas direita ao 'quarto do bebé', e pôs Ben na cama. Ele estava a acordar. Mais uma vez ele se atirou para o chão, rebolando-se; e mais uma vez se flectiu, dobrou e esticou, com os olhos cheios de puro ódio. Ela não podia tirar-lhe a camisa de forças. Foi à cozinha e arranjou leite e biscoitos, enquanto a sua família permanecia sentada e a observava num silêncio total. Os gritos e a luta de Ben abalavam toda a casa." pág 102
Terminado em 30 de Abril de 2024
Estrelas: 6*
Sinopse
Os olhares de Harriet e David cruzaram-se durante uma festa de empresa, à qual nenhum dos dois tivera muita vontade de ir. De copo na mão, ambos observavam os restantes convidados, que dançavam freneticamente. Não se identificavam com o que viam, e foi isso que os juntou.
Ao contrário dos colegas, Harriet e David não se reviam nos valores contracorrente da Londres dos anos 60. Conservadores, ambicionavam uma vida familiar tradicional, com quatro ou cinco filhos, e uma casa vitoriana com um vasto jardim e uma sala de grandes dimensões, onde pudessem construir um núcleo familiar coeso, que os protegesse das pressões da sociedade que os rodeava.
O sonho cumpre-se, e Harriet e David vivem num mundo idílico até ao nascimento de Ben, o quinto filho, que vem abalar o equilíbrio familiar que o casal tanto se esforçou por criar.
Ben é uma criança diferente. A gravidez e o parto foram mais difíceis do que os dos restantes filhos, e desde o início que Ben revela características que o distinguem dos irmãos. Robusto, agressivo e com uma fome que parece impossível de saciar, o quinto filho de Harriet e David tem limitações quanto à interação social e parece ser incapaz de qualquer ligação emocional.
Confrontada com esta situação, Harriet vê-se numa posição difícil. Tem de cuidar de Ben, mas tem de proteger a família desta criança estranha e difícil, com os olhos brilhantes de prazer intenso. Assustada, Harriet assiste ao crescimento do seu quinto filho, que vai destruindo pouco a pouco a tranquilidade do lar e da família em que nasceu.
Romance curto, mas poderoso, escrito sem capítulos ou pausas, O Quinto Filho é uma das obras mais inquietantes de Doris Lessing, Prémio Nobel da Literatura em 2007, explorando, de forma crua e incisiva, as questões ligadas à maternidade, e revelando que esta é, de facto, um conjunto de escolhas muitas vezes impossíveis de conciliar.
Cris
Uma história muito marcante e que me deixou muito curiosa.
ResponderEliminarÉ terrível, Alexandra!
EliminarJá o li há uns anos bons e gostei. Foi um livro que me deixou uma impressão muito forte e durante algum tempo não me saía da cabeça. Gosto muito da autora.
ResponderEliminarBom dia de Santo António (o que resta dele).
Isabel, por aqui sentimentos iguais!
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