“A Cripta dos Capuchinhos” – Joseph Roth
(Cavalo de Ferro)
“Começámos,
inclusivamente, a adorar o nosso desespero como se ama um inimigo
fiel. Enterrávamo-nos nele.” (p. 123)
Um
excelente início de ano editorial que assinala a publicação de “A
Cripta dos Capuchinhos” (1838), a última obra de Joseph Roth
(1894-1939) publicada em vida. Este romance constitui a sequela de “A
Marcha de Radetzky” (1932), uma das mais representativas e icónicas
no conjunto das obras do escritor.
O título da obra alude à
Igreja de Nossa Senhora dos Anjos igualmente conhecida por Cripta
Imperial de Viena, onde se encontram os restos mortais dos Habsburgos
austríacos, incluindo o último monarca, Francisco José
(1830-1916), figura emblemática do Império Austro-Húngaro que vem
a falecer no decurso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Este
romance pejado de melancolia remete para o fim de um mundo e de uma
ordem que dominava o espírito de uma boa parte do continente europeu
no início do século XX. Tendo Viena, a capital imperial, como pano
de fundo, Joseph Roth recupera a família Trotta, os personagens
principais de “A Marcha de Radetzky”, centrando a narrativa no
fim da Belle Époque
em que muitos
jovens pertencentes a famílias nobres de então deambulavam pela
cidade, livres de preocupações, fazendo o roteiro dos principais
cafés por onde passam os ilustres da sociedade até ser comunicada a
obrigatoriedade para se alistarem no exército seguindo para uma
frente de batalha em terras longínquas do império que entretanto se
desmantelava.
Narrado
na pessoa de Franz Ferdinand Trotta, somos levados a compreender as
principais transformações que ocorreram com a derrocada de toda uma
ordem política, social e económica, ao ponto de a realidade
anteriormente conhecida deixara de existir com o seu regresso a Viena
após a guerra.
Estando
do lado dos vencidos, a Áustria recuperava aos poucos da humilhação
tentando adaptar-se às novas circunstâncias ao ponto de muitas das
famílias nobres passavam agora a viver com sérias dificuldades
económicas na medida em que tinham contribuído com muitos dos seus
bens no intuito de alimentar a guerra. Os títulos nobiliárquicos
passaram a ser proibidos, passando estas famílias a viver de crédito
e de aparências face a uma ideia de mundo organizado que, na
verdade, já não existia.
“De
há muito tempo a esta parte, desde que voltara da guerra, via-me a
mim mesmo como uma pessoa sem direito à vida. Habituara-me a
contemplar todos os acontecimentos que os jornais consideravam
«históricos» com o olhar distante de quem não pertence a este
mundo. A morte tinha-me concedido há muito uma licença por prazo
indeterminado, licença essa que ela podia interromper a qualquer
momento. Que me importavam as coisas deste mundo? (…) Eu era um
«extraterreno» no meio dos vivos.” (pp. 154-155)
A
desagregação do Império Austro-Húngaro deu origem a um conjunto
de novas nacionalidades em convergência com o novo mapa político
europeu no pós-guerra como forma de resposta às divergências e
clivagens de ordem histórica e ao nível da própria identidade,
aspectos que eram uniformizados durante o Império procurando a
harmonia entre as partes envolvidas.
“Só
muito mais tarde, muito tempo depois da Grande Guerra (…)
compreendi que até mesmo as paisagens, os campos, as nações, os
povos, as cabanas e os cafés estão sujeitos a uma lei natural mais
forte que permite converter o distante em próximo e unir o que tende
a desagregar-se. Refiro-me ao espírito da antiga monarquia,
incompreendido e desperdiçado, que era capaz de me fazer sentir em
casa tanto em Zlotogrod como em Šipolje
ou em Viena.” (pp. 39-40)
À
semelhança de outras obras de Joseph Roth, percebemos como as suas
palavras assumem um carácter (quase) profético na medida em que há
várias passagens que aludem a uma antevisão daquilo que viria a
acontecer na Europa, nos anos a seguir à 1ª Guerra Mundial
(1914-1918), percebendo o terreno fácil para as ideias da
extrema-direita, em especial, o nazismo, que culminaria na 2ª Guerra
Mundial (1939-1945) que levaria ao desaparecimento da influência
judaica no contexto da cultura europeia.
Podemos
ir ainda mais longe ao analisarmos as tendências políticas vigentes
na Europa e no Mundo actualmente interrogando-nos face ao futuro e
aquilo que poderemos esperar. Vivemos tempos conturbados, de uma
complexidade tal ao ponto de percebermos que qualquer acontecimento
(im)previsível poderá reflectir-se em alterações políticas,
económicas e sociais com forte impacto nas populações. O risco do
populismo é imenso. A ignorância é mais que muita. Os abutres
também. E o medo instala-se. O futuro assume características
semelhantes a uma longa noite onde se torna cada vez mais difícil
despertar para a claridade. Resta a esperança…
“Creio
que a terrível submissão das gerações actuais a um jugo ainda
mais nefasto é compreensível e também perdoável, se pensarmos que
é próprio da natureza humana preferir a grande calamidade a uma
preocupação pessoal. A grande calamidade devora rapidamente a
pequena infelicidade, o azar, por assim dizer. Por isso, naquela
época, amávamos esta desgraça colectiva.” (p. 123)
Texto da autoria de Jorge Navarro
Um livro que ajudará, certamente, a uma melhor compreensão da nossa História.
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