Gosta deste blog? Então siga-me...

Também estamos no Facebook e Twitter

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A Escolha do Jorge: Confissão de um Assassino - Joseph Roth


“Matei e, mesmo assim, considero-me um bom homem.”

“Confissão de um Assassino” de Joseph Roth (1894-1939) assinala o início de 2018 pela mão da Cavalo de Ferro. Escrito em 1936, num período conturbado da Europa, marcado pela ascensão de Hitler e a consequente afirmação do nazismo que daria origem ao início da 2ª Guerra Mundial, em 1939.
      Herdeiro da tradição judaica, Joseph Roth traz-nos um “relato de uma noite” (subtítulo da obra) a um ritmo alucinante, a vida de Golubchik, contada na primeira pessoa, num restaurante russo situado em Paris e frequentado por indivíduos sem-abrigo, imigrantes na penúria, desempregados, desterrados sem eira nem beira, vagabundos, no fundo, russos que procuraram a sua sorte noutras regiões da Europa Ocidental, sem, no fundo, terem conseguido que a fortuna lhes tenha sorrido.
      Várias são as linhas de força que poderemos identificar nesta novela de grande fôlego: a questão do tempo e a busca incessante da identidade. A primeira delas, o tempo, as suas limitações e contradições são apresentadas ao leitor logo no início da novela. No restaurante russo Tari-Bari, de seu nome, havia um relógio de metal na parede que raramente funcionava, quase como se a sua função fosse ridicularizar o tempo face aos indivíduos que frequentavam o restaurante que eram pessoas com tempo, mas que viviam fora do seu tempo. O relógio corresponde à metáfora da oposição de dois mundos ou realidades em confronto no seio da própria Europa, a Ocidental, urbana e capitalista, e a Oriental, dominada, grande parte pelo então Império Russo, ainda que nos seus últimos dias, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial.
      É neste ambiente de restaurante russo em que tempo não falta aos seus frequentadores que Golubchik relata durante toda uma noite a história da sua vida, daí que os seus ouvintes, gente desocupada e sem obrigações, tenham todo o tempo do mundo ainda que sem oportunidade para ocupar um lugar neste mundo, nesta Europa.
      Golubchik começa por relatar que pertencia a uma família rural da Ucrânia, ainda sob o domínio de um senhor com características feudais. Ficamos a saber que Golubchik afinal é um Krapotkin, sendo, pois, filho de um príncipe que considerou ter usado de direitos feudais sobre as mulheres da terra para com elas se deitar, tendo por essa razão inúmeros filhos ilegítimos.
      Perante esta descoberta, Golubchik decide inverter o curso da história da sua vida desejando ascender socialmente, tentando a todo o custo o reconhecimento por parte do verdadeiro progenitor. Isto fará de Golubchik um verdadeiro peão e construtor da sua própria desgraça, ou dito pelo próprio, viverá “a tragédia da banalidade”. (p. 136).
      Perante a recusa do príncipe face ao reconhecimento do filho, Golubchik vê todos os seus sonhos e anseios estilhaçarem-se, elegendo o seu falso irmão - adoptado pelo príncipe como se fosse seu filho legítimo – como o seu arqui-inimigo e, por essa razão, um alvo a abater. Assim, Golubchik tornou-se um agente da Okhrana, a polícia secreta do czar, tendo por missão denunciar quaisquer tentativas revolucionárias, mas também aniquilar inocentes que, de alguma forma, fizessem sombra a alguém, e sem dó nem piedade, seriam enviados para campos de trabalhos forçados na Sibéria. “Ao eliminá-lo da face da Terra, eliminaria também a causa da minha corrupção, sendo depois livre para me transformar num bom homem, expiando os meus pecados, arrependendo-me das minhas acções e, em suma, tornando-me um respeitável Golubchik.” (p. 106)
      A condenação de Golubchik perante a vida deveu-se ao amor, tendo, pois, ficado condenado a um amor que lhe deveria estar vedado, além de que, considerando-se a viver um amor em pleno, eis que é surpreendido pela negra presença do herdeiro do príncipe que se envolve com a mulher por quem se apaixonou.
      Todo o percurso de Golubchik, toda a sua vida é acompanhada – ou assombrada – por um personagem misterioso, o húngaro Jenö Lakatos, que tem um papel fundamental nesta novela, como a personificação do diabo e o seu papel decisivo na tomada de algumas decisões do foro privado que poderão ter impacto à escala nacional ou mesmo internacional, podendo, dessa forma, desencadear, episódios que poderão ser decisivos no motor da História. “Acreditem quando vos digo que a vida privada de um homem, a sua simples humanidade, é mais importante, maior e mais trágica do que todas as questões públicas do mundo.” (p. 13)
      Jenö Lakatos constitui em certa medida um reflexo da herança cultural judaica no que concerne à ideia de fantástico que tanto caracteriza as obras de Joseph Roth. Ainda que a narrativa se reporte às vésperas da 1ª Guerra Mundial, certamente Joseph Roth terá associado o húngaro Jenö Lakatos à figura temível e terrível que ganhava fôlego e terreno numa Europa que convergia para a destruição e para o absurdo. “Como encontrar o Diabo quando o procuramos? Ele vem, aparece inesperadamente e desaparece. E, ainda que desapareça, está sempre ali.” (pp. 100-101)
      “Confissão de um Assassino” apresenta-se como uma novela emblemática no contexto das obras de Joseph Roth que foi um dos mais importantes escritores de tradição judaica, trazendo sempre à luz toda uma cultura que foi dizimada e que se perdeu com a 2ª Guerra Mundial. Joseph Roth viria a falecer, em 1939, em Paris, vítima de alcoolismo.

Texto da autoria de Jorge Navarro

Sem comentários:

Enviar um comentário